Resultados da indústria da hotelaria – propaganda e realidade


As estatísticas da indústria da hotelaria referente a 2014 são tema de algum debate que representa progressos em relação às de 2013:

-o ministério da Economia não volta a organizar uma conferência de imprensa tonta e o secretário de estado do Turismo regista que não falou do “melhor ano turístico de sempre” – sugerimos rever o post Resultados do Turismo em 2013 – Politica e Realidade aqui. 

O presente post é minimalista porque apenas

-utiliza alguns dos números do Destaque do INE referente a 2014,

-mostra como a propaganda sobre indicadores operacionais razoáveis (hóspedes, dormidas, proveitos) não pode escamotear fraquezas estruturais da industria da hotelaria,

 

*Informação ao leitor

O presente post tem versão em PDF disponível aqui.

O leitor deve estar informado sobre os Princípios Gerais do blogue.

 

1.Hóspedes, dormidas e proveitos

Em 1970 e estudante num seminário de Macroeconomia sobre Planificação da economia e turismo nos países do Mediterrâneo, utilizámos o número de hóspedes, dormidas e proveitos, mas tivemos de os analisar com os índices de Laspeyres Paasche. No Portugal de 2015 continuamos reduzidos aos mesmos indicadores e … sem os índices – algo está errado.

*Hóspedes
Na ocorrência, o número de hóspedes interessa à relação entre procura turística e indústria do transporte aéreo, mas tem duas características a não ignorar:

-é um indicador amigo da propaganda porque permite publicitar crescimento de 24,8% entre 2009/2014 e de 16,1% entre 2007/2014 (2007 é o penúltimo/último ano ‘limpo de vestígios de crise’),

-não deve ser utilizado para avaliar o sucesso da indústria da hotelaria e ainda menos o do turismo em Portugal ou regiões.

Gráfico 1 – Número de hóspedes da indústria da hotelaria
(milhões)

 

Fonte: Elaboração própria com base em INE – Actividade Turística, Dezembro de 2014

*Dormidas
O número de dormidas (gráfico 2) também é amigo da propaganda:

-permite publicitar crescimento de 26% entre 2009/2014 e de 16% entre 2007/2014, mas tem mais substância económica do que o número de hóspedes.

Gráfico 2 – Número de dormidas da indústria da hotelaria
(milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Actividade Turística, Dezembro de 2014

*Proveitos totais
O indicador de proveitos totais tem dificultado a tarefa da propaganda:

-entre 2009/2013 cresce apenas 2,2%, mas o valor de 2013 é praticamente idêntico ao de 2007 e a preços correntes,

-já entre 2009/ 2014 cresce 11,1% e é cerca de 10% superior ao de 2007.

Este crescimento é a preços correntes o que diminui uma performance já de si modesta.

Gráfico 3 – Proveitos totais da indústria da hotelaria
(€mil milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Actividade Turística, Dezembro de 2014

 

2.Proveito total e de aposento médio por dormida

O ponto 2 já dá um arzinho muito ligeiro da análise que é preciso fazer para ultrapassar o nível rudimentar de ‘hóspedes, dormidas, proveitos’. É um arzinho muito ligeiro mas chega para questionar o optimismo da propaganda referida e antevermos os problemas da indústria da hotelaria.

*Proveito de aposento e de não aposento
O INE detalha os proveitos totais da indústria da hotelaria por proveitos de aposento e não aposento. O gráfico 4 ilustra a evolução 2005/2014 dos proveitos de aposento e não aposento na indústria e permite observar

-algum crescimento do proveito de aposento e estabilidade no proveito e não aposento.

Gráfico 4 – Proveitos de aposento e não aposento na hotelaria
(€mil milhões)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Actividade Turística, Dezembro de 2014

O gráfico 5 quantifica a diferença entre ‘algum crescimento‘ e ‘estabilidade’ e ilustra a evolução entre 2005/2014 da percentagem do proveito de alojamento no proveito total.

Gráfico 5 – Percentagem proveito de aposento nos proveitos totais
(%)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Actividade Turística, Dezembro de 2014

Constatamos que

-a percentagem cresce de maneira sustentada entre 2006 e 2014.

*Proveito de aposento e total médio por dormida
A evolução ilustrada pelos gráficos 4 e 5 obriga a

-considerar o proveito de aposento médio por dormida (gráfico 6), e não o proveito total médio por dormida (gráfico 7), como acontece frequentemente e … já nos aconteceu a nós.

Gráfico 6 – Proveito de aposento médio por dormida
(€)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Actividade Turística, Dezembro de 2014

Gráfico 7 – Proveito total médio por dormida
(€)

 
Fonte: Elaboração própria com base em INE – Actividade Turística, Dezembro de 2014

 
Constatamos que o proveito médio por dormida

-apresenta valores baixos, explicáveis pela combinação de procura insuficiente e muito sazonal em mais casos do que seria desejável, mais o efeito se possível sub estimação pelo inquérito do INE,

-o crescimento entre 2009/2014 (da queda pós crise à actualidade) é de 3,4% a preços correntes em cinco anos, o que indicia algo de errado e estrutural. 

 

3.Nota final

*Insuficiência do debate
O debate sobre a indústria da hotelaria sofre de duas insuficiências

-apenas dispomos de indicadores operacionais do inquérito que o INE realiza desde a década de 1960 e pouco sabemos de concreto sobre a rentabilidade e viabilidade económica/financeira de estabelecimentos e empresas,

-o conhecimento da indústria da hotelaria, mais do que assentar nestes indicadores macro e insuficientes, exige que governo e associações conjuguem esforços para realizar uma ‘análise estratégica´ segundo a proposta de Micael Porter (ou outra).

Sem esta análise ou outra equivalente, a intervenção pública na indústria da hotelaria será sempre casuística e susceptível de efeitos perversos (obter resultado oposto ao desejado).

*Realidade a não ignorar
Dito isto, há que enfrentar a realidade:

-por muito bons que os indicadores operacionais sejam não sustentam afirmações sobre o sucesso da hotelaria e, ainda menos, do turismo em Portugal,

-o Proveito de alojamento e total médio por dormida mostram que a indústria da hotelaria não está de boa saúde

-o propagandear números deve dar lugar a atitude proactiva que conduza à ‘análise estratégica’ que apoie a intervenção empresarial e politica que a realidade exige.

Quanto mais tarde enfrentarmos a realidade pior será.

*Realidade e propaganda
Em resposta a quem justifica a propaganda dominante com a necessidade de boas notícias que alimentem a nossa auto-estima ou de posicionar ‘o turismo’, lembramos:

-nenhuma auto-estima aumenta com números agradáveis mas que escondem fraquezas estruturais,

-nenhuma indústria é competitiva e se posiciona na opinião pública e sistema politico/administrativo sem estatísticas fiáveis e conhecimento do negócio.

*Proveitos da hotelaria e receita de viagens e turismo
Por fim, insistir em tema já abordado no blogue. Os números da industria da hotelaria não podem continuar a ‘capturar’ os da receita de viagens e turismo porque estes

-integram o contributo de cerca de 43% de turistas não residentes e que escolhem o alojamento não classificado,

-crescem 50,5% entre 2009/2014 enquanto os proveitos totais da hotelaria crescem 11,1% - a comparação é indirecta mas iniludível,

-exigem uma intervenção politica que ultrapassa os limites da indústria da hotelaria.

Sobre este tema, ver vários post e o mais recente:

-Balança de Pagamentos – o admirável crescimento da receita de viagens e turismo (aqui).

 

A Bem da Nação

Lisboa 7 de Abril de 2015

Sérgio Palma Brito

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