Privatização da TAP – “o accionista privado tem de garantir a ligação com a Guiné-Bissau”


A rota Lisboa-Bissau passou a ser ícone das exigências de serviços ao futuro accionista privado da TAP. Gente ilustre mas desconhecedora do assunto, como o consagrado Miguel Sousa Tavares, assume voz solene quando ‘exige’ que o accionista privado tal garanta.

O Manifesto contra a privatização da TAP não faz as coisas por menos. Em Portugal, “não somos um país qualquer: somos um país com responsabilidades para com […] os cidadãos das antigas colónias, na América Latina, em África e no Oriente, um espaço de 250 milhões de falantes da mesma língua: o português.”.

Acontece que a ligação aérea entre a Metrópole e a “nossa” antiga colónia Guiné (isto para respeitar o espirito da letra do Manifesto)

-não é operada pela TAP do accionista estado porque “não é rentável”,

-é operada por uma companhia aérea portuguesa, porque segue um modelo de negócio flexível e de baixo custo.

Em síntese,

-o accionista Estado não assegura a rota Lisboa-Bissau, o mercado funciona e agora vamos exigir ao accionista privado que a assegure?

Vejamos o detalhe desta cena.

*Exigência do Ministro da Economia e pragmatismo do CEO da TAP
Das duas uma, ou Ministro e CEO não se entendem, ou o Estado exige ao accionista privado que garanta um serviço que a ‘sua’ TAP não garante. Em qualquer dos casos, a cena não é bonita.

Em 14 de Novembro, o Ministro da Economia afirma sobre a TAP privatizada: “Voos para a Guiné? Claro que o futuro accionista da TAP tem que garantir. Faz parte do caderno de encargos" (aqui).

Os voos da TAP para Bissau são suspensos em Dezembro de 2013 na sequência do embarque forçado pelas autoridades guineenses de 74 sírios no aeroporto de Bissau rumo a Lisboa. Segundo o jornal i de 9 de Dezembro,

-Fernando Pinto adiantou que, quando a TAP suspendeu a operação, "outras empresas" assumiram a sua posição e, por isso, houve "uma queda muito forte da procura".

Mais, o CEO Fernando Pinto informa que, apesar de já ter "a garantia das autoridades que as condições de segurança estão reunidas", os voos da TAP Lisboa/Bissau suspensos desde Dezembro de 2013, não são retomados porque:

-"A razão principal é mercado mesmo. Chegámos a fazer uma pesquisa para ver como estavam as possibilidades, mas temos uma procura muito baixa do mercado" (aqui).

*Rota Lisboa-Bissau operada pela euroAtlantic
A Euroatlantic é uma companhia aérea portuguesa (basicamente, Thomaz Metello e Grupo Pestana), com modelo negócio de muito baixo custo e muito flexível. Em síntese,

-“A euroAtlantic foi fundada por Tomaz Metello, actual Presidente do Conselho de Administração e accionista maioritário, e tem participação do maior grupo português de lazer e turismo, Pestana Hotels & Resorts.” – ver http://www.euroatlantic.pt.

A euroAtlantic opera a rota Lisboa-Bissau e anuncia voos de ida e volta desde €591,17:

 

Simples.

 

A Bem da Nação

Lisboa 22 de Dezembro de 2014

Sérgio Palma Brito

Manifesto contra a privatização da TAP – leitura crítica


Manifesto contra a privatização da TAP – leitura crítica

Fazemos uma leitura crítica do Manifesto contra a privatização da TAP para ajudar o leitor curioso a formar a sua opinião.

Não criticamos opiniões expressas pelo Manifesto. Apresentamos factos que condicionam ou comprometem algumas das mais fortes afirmações que nele figuram.

Lamentamos a falta de debate aberto sobre a privatização da TAP e o excesso de opiniões expressas por pessoas que não conhecem o assunto – a liberdade de expressão só pode ignorar factos se for capaz de demonstrar a sua falsidade.

 

Como sempre, o leitor deve estar informado sobre os Princípios Gerais do blogue (Princípios).

 

*Factores condicionantes da operação da TAP
O texto do manifesto mostra que quem o assina ignora ou não tem em conta factores condicionantes da actividade da TAP. Sintetizamos os mais importantes.

Desde a década de noventa,

-acaba a regulação de ‘rotas, frequências e oferta’ pelos estados a proteger as suas empresas publicas e de fixação de preços pela IATA, regulação que data das décadas de 40 e 50,

-passa ahaver liberdade total nas rotas no seio da União Europeia, por companhias aéreas privadas em grande maioria,

-passa a haver concorrência crescente nas rotas extra comunitárias ainda sujeitas a acordo entre estados.

Neste contexto de concorrência, a intervenção do estado dá lugar a

-privilegiar a acessibilidade aérea ao país e não a companhia aérea estatal, que é privatizada,

-captação nacional de parte da cadeia de valor do transporte aéreo assegurados por companhias nacionais e estrangeiras – é aqui que se situa a nova relação entre o estado e a empresa com a base no país,

-supervisão e regulação públicas, inexistentes em Portugal como a privatização da ANA mostra, mas de importância crescente.

De tudo isto resulta um mundo novo:

-as companhias aéreas, de accionista estado ou privado, só são viáveis se forem competitivas em mercado aberto e de concorrência intensa – a absorção por outra companhia ou a falência passam a ser possíveis.

Neste mundo novo e como veremos a seguir, a ajuda do estado à companhia aérea de que ainda é accionista

-é possível em circunstâncias extraordinárias e intervaladas num mínimo de dez anos,

-implica importantes custos em deficit do estado e dívida publica, uma contribuição da empresa em 50%, e plano de reestruturação imposto pela Comissão,

-visa viabilizar a empresa ajudada para que esta possa operar no mercado sem ajuda do estado.

Nestas condições,

-o accionista estado ou privado só podem ’garantir’ os serviços que a competitividade da empresa permita prestar – este é um dos factos mais ignorados por quem fala sobre a TAP,

-esta regra aplica-se a base de Lisboa, hub, rotas para Bissau ou Caracas, sem contar que a TAP desde há muito não voa para África do Sul ou Canadá, apesar de aí haver importantes comunidades portuguesas.

Os Serviços Públicos têm regulamentação comunitária e não são de mera decisão do Estado, accionista ou não da companhia aérea em causa.

*Património nacional, soberania e independência e língua portuguesa
Em países como Portugal a linha de argumentação do Manifesto já não corresponde à realidade de uma companhia aérea, seja ela de accionista estado ou privado.

No caso da soberania, a TAP não é a El Al e Portugal não é Israel, onde a companhia aérea é de facto instrumento de soberania.

Mais concretamente:

-entre 1944 e 1962, a TAP é instrumento de soberania, quando Salazar a define como “instrumento de soberania nacional” e depois, quando liga o Continente às colónias durante a guerra colonial,

-entre 1976 e 1993, a ‘transportadora aérea nacional’ já quase nada tem a ver com soberania e mais com apoio do estado a interesses variados, com destaque para sindicatos – esta é a origem do condomínio entre estado e sindicatos de que fala Vital Moreira,

-depois de 1993, a TAP já não tem mesmo nada a ver com a soberania nacional (ver pontos 2 a 5 do post).

*Ajuda do Estado à TAP
O Manifesto perde-se com clippings da comunicação social e irrelevantes declarações da comissária europeia. O asunto é público e oficial (europa.eu/competition/publications) mas poucos vão à fonte e quase todos falam sem o conhecer.

O fundo da questão é outro e é fundamental:

-sem privatização, a TAP precisa da ajuda do estado português em 2015, sob pena de conhecer graves perturbações na sua operação e até poder ir à insolvência.

A ajuda do estado

-implica várias centenas de milhões de euros, que irão ao deficit de 2015 e à dívida, e outras tantas entenas de aval do estado à divida da TAP para modernizar a frota,

-exige autorização comunitária condicionada por rigoroso programa de reestruturação, monitorizado como o de 1994 não foi – este programa pode ser mais rigoroso e menos eficiente do que o que um accionista privado terá que implementar,

-visa a viabilidade da TAP, assente na competitividade para operar em mercado aberto e sem ajuda do estado – isto é, o mesmo fim do programa de um accionista privado.  

Há uma consequência a tirar:

-quem recusa a privatização da TAP tem de assumir a responsabilidade por aumento do deficit, por o accionista estado conduzir o programa de reestruturação da TAP que a Comissão impõe, de modo termos uma companhia a operar em mercado aberto e sem ajuda do estado.

*Garantias do Estado e do accionista privado se houver
Os Serviços de Interesse Público (na ocorrência ligações entre Continente e Regiões Autónomas) são operados de acordo com regras comunitárias e concursos públicos. Não são definidos e apoiados pelo Estado a seu belo prazer.

Com uma companhia aérea a operar em mercado aberto e sem ajuda do Estado, o accionista Estado ou privado

-só pode garantir hub, base de Lisboa e ‘rotas, frequências e capacidades’ que a competitividade da TAP assegure sem ajuda do Estado – esta é a realidade que tem sido mais escamoteada.

A título de exemplo,

-a TAP não voa para Bissau por falta de rentabilidade da rota e há uma companha privada que voa (a portuguesa Euroatlantic) porque tem um modelo de negócio que o permite.

-se a Latam Airlines brasileira for mais competitiva do que a TAP nas ligações Brasil-Europa, o hub de Lisboa pode até deixar de ser assegurado pela TAP.

*Compra por estrangeiro
No caso da compra por accionista estrangeiro, é errado comparar Portugal com os EUA como o Manifesto faz (óbvio, não?).

Temos de comparar EUA e União Europeia e ao nível da UE há exigência de 51% de capital comunitário.

*Monopólio público
Citamos: “a TAP, pelas características e pela dimensão do país, tem funcionado, na prática, como um monopólio público”.

Salvo o devido respeito, esta afirmação é erro a exigir esclarecimento, muito mais vasto do que esclarecer o inexistente “monopólio público”.

O gráfico 1 ilustra a quota de companhias aéreas estrangeiras no total de passageiros desembarcados nos aeroportos do continente. As companhias nacionais são TAP/Portugália e SATA.

Observamos que as companhias aéreas estrangeiras

-sempre foram e são a base do desenvolvimento do turismo no Algarve, e têm 97% de quota no aeroporto de Faro em 2013 – não é erro, é mesmo 97%,

-são o mais importante factor de desenvolvimento do novo turismo do Porto (desde 2003), e têm 70% de quota no aeroporto do em 2013,

-mantêm uma quota de cerca de 40% no aeroporto de Lisboa, calculada sobre o total de 8.000 milhares de passageiros desembarcado,

-‘Lisboa corrigido’ é a quota no total de 7.028 milhares de passageiros desembarcados no tráfego internacional.

Gráfico 1 – Quota das companhias aéreas estrangeiras no total de passageiros desembarcados
(percentagem)

 
Fonte – Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes e Comunicações e Estatísticas dos Transportes

Do gráfico 2 retemos que

-desde 2006, as companhias aéreas estrangeiras desembarcam mais passageiros no Continente e têm ritmo de crescimento mais elevado do que as companhias nacionais.

Gráfico 2 – Total de passageiros desembarcados por companhias nacionais e estrangeiras nos aeroportos do Continente
(milhares)

 
Fonte – Elaboração própria com base em INE – Estatísticas dos Transportes e Comunicações e Estatísticas dos Transportes

Mais do que nos preocuparmos com as declarações do Ministro da Economia (em geral a aumentar a entropia do sistema) como o Manifesto se preocupa, registamos que a TAP não tem “monopólio” e registamos também algo muito mais importante:

-o turismo em Portugal não depende a 100% da TAP (em Faro é 3% …),

-a verdadeira importância da TAP no turismo é a de captar parte da cadeia de valor para o país e desenvolver o hub de Lisboa.

*Sobre a rentabilidade da TAP EP e SA
Durante o período que vai da nacionalização da TAP em 1976 até à sua gestão profissional a partir de 2001, temos:

-entre 1976/1993, a TAP EP e SA acumulam um Resultado Líquido negativo de -1,2 mil milhões de euros actualizados a 2014 e em 1993 a TAP SA vai falir,

-em 1994 o estado aumenta o capital da TAP SA em 180 milhões de contos e dá garantia de empréstimo até 169 milhões, respectivamente 1,4 e 1,3 mil milhões de euros de 2014,

-apesar desta ajuda excepcional, a TAP só tem resultados magramente positivos em 1997 e 1998, e acumula Resultado Líquido negativo de €-927 milhões actualizados a 2014,

-sem o início da gestão profissional, em 2001, a TAP SA ia falir, apesar da ajuda do Estado em 1994.

Durante o período da gestão profissional de 2001 a 2013, temos uma realidade dual:

-por um lado, um extraordinário trabalho de recuperação e crescimento da empresa e sua viabilização pelo tráfego intercontinental – sem este tráfego e o hub, a TAP que conhecemos desaparece,

-por outro lado, entre 2001/2013 a TAP SA acumula um Resultado Líquido negativo de €-1.5 milhões de euros a preços correntes, o que é uma performance medíocre e a não ignorar … por exemplo, por quem propõe a dispersão do capital da TAP em bolsa.

Uma empresa com esta rentabilidade é uma empresa frágil – tivesse o preço do petróleo subido em 2014 como em 2008 e a realidade da TAP seria perto do dramático.

Esta realidade é escamoteada ou omitida em quase todas as intervenções sobre a TAP.

*Contributo da TAP para o País em mercado aberto
Ninguém pode negar o contributo da TAP, pública ou privada, para a economia de Portugal, por via da balança de pagamentos, PIB e emprego. Mais uma vez, a abertura do mercado da acessibilidade aérea a Portugal implica

-não confundir contributo da TAP para a economia com accionista estado na TAP, e

-não considerar o contributo de todas as companhias que operam para Portugal.

Não é fácil racionalizar esta questão porque

-o contributo da TAP e o das outras companhias aéreas não estar quantificado por profissionais do ofício, quer na macroeconomia quer na explicitação da cadeia de valor em que assenta – sem conhecermos a fundo a cadeia de valor não podemos aumentar o valor acrescentado nacional.

O que está em causa é

-o Estado focar a sua intervenção no maximizar da participação nacional nesta cadeia de valor do contributo da TAP, de longe o mais importante, e do das outras companhias aéreas.

Como estamos em mercado aberto, na acessibilidade aérea e no valor acrescentado nacional há vida para além da TAP – esta é a verdadeira função do Estado no transporte aéreo.

*Poder dos sindicatos e custos de pessoal
O Manifesto omite um dos maiores problemas da TAP

-o tabu do poder dos sindicatos, em condomínio com o estado, nas palavras de Vital Moreira, e os custos de pessoal.

Entre 1976 e a actualidade,

-todas as antigas empresas de bandeira da Europa passam por adaptações rudes e dolorosas a um mercado onde a concorrência é cada vez mais intensa – Easyjet, Ryanair e companhias aéreas do Médio Oriente são apenas aspectos mais recentes de longa história.

No mesmo de 1976 à actualidade e de memória de homem, a TAP EP e SA

-é a única companhia aérea que acumula prejuízos e não remunera o capital, mas na qual não há um único despedimento individual ou colectivo,

-só tem gestão profissional a partir de 2001 e por efeito colateral da falhada privatização com a Swissair.

Em nossa primeira opinião que estamos a aprofundar

-a TAP SA só é verdadeiramente rentável quando diminuir os custos de combustível e de pessoal,

-é isto que está em causa na oposição dos sindicatos à privatização e é isto que accionista publico ou privado vai ter de resolver – aí sim com uma greve a sério.

Nota – Este tema está ainda a ser analisado, pelo que fazemos a reserva de ‘memória de homem’, mas mantemos o essencial da “primeira opinião”.

Ficámos a conhecer algumas das exigências dos sindicatos para aceitarem a privatização (observador). Citamos duas:

-Garantia de que não haveria um processo de despedimento colectivo ou de redução temporária do período normal de trabalho (lay off), num prazo de pelo menos 10 anos”,

-Impedir no prazo de dez anos uma “subcontratação ou externalização das actividades do Grupo”, assim como “joint Ventures” (alianças)”.

Para a análise em curso.

*”antigas colónias”? Escreveram mesmo “antigas colónias”?
Em Portugal, “não somos um país qualquer: somos um país com responsabilidades para com […] os cidadãos das antigas colónias, na América Latina, em África e no Oriente, um espaço de 250 milhões de falantes da mesma língua: o português.”.

Mais, concretamente as nossas ‘antigas colónias’ são os seguintes países independentes, soberanos e com os quais devemos cultivar relação de respeito mútuo:

-Brasil tem pelo menos duas companhias que podem comprar a TAP ou passar a fazer concorrência à TAP

-Angola, Moçambique e Cabo Verde têm transportadoras aéreas nacionais que concorrem com a TAP em preço e qualidade de serviço,

-Guiné (para onde a TAP não voa por falta de rentabilidade) e S. Tomé e Príncipe (para onde a TAP voa pouco) dispõem de ligação aérea a Lisboa sem ser com a TAP,

-Macau foi destino da mais ruinosa e inútil rota aérea politica que a TAP operou – é o ícone do que não pode ser feito,

-Timor?

“antigas colónias”? Faz-nos recuar ao tempo das intervenções a condenar o neocolonialismo. Que tal a CPLP passar a CPACLP – Comunidade de Portugal e Antigas Colónias de Língua Portuguesa? 

*Alguém quer debater?
A função do Estado é contribuir para a acessibilidade aérea competitiva a Portugal, a captação de valor acrescentado na cadeia de valor da aviação civil e regulação forte e independente da actividade das empresas privadas.

É neste quadro que importa discutir a privatização da TAP.

 

A Bem da Nação

Lisboa 22 de Dezembro de 2014

Sérgio Palma Brito

 

Anexo – Texto do ‘Manifesto contra a privatização da TAP’

Depois de um recuo, que se esperava tivesse sido ditado pelo bom senso, mas que se revelou apenas estratégico, o Governo reiterou o seu propósito de vender a nossa companhia aérea nacional.

A concretizar-se, a alienação de um património nacional com quase 70 anos de experiência, e que representa, além do mais, um dos poucos exemplos de sucesso e de prestígio além-fronteiras – como atestam os rankings e os variadíssimos prémios internacionais, em termos de segurança, conforto e eficácia -, seria um desastre nacional, sem falar do negócio ruinoso que representaria e do risco para milhares de empregos, com reflexos na sustentabilidade da Segurança Social.

A TAP é património nacional. E o Governo, qualquer Governo, não pode dispor do património do país como se fosse dele. O Presidente da República tem, por isso, nas mãos, e os portugueses, enquanto cidadãos, têm na voz com que podem exprimir o seu protesto, os instrumentos para travar esta decisão danosa para o interesse nacional.

Mas não é só para os portugueses que vivem em Portugal que a TAP é, mais do que uma companhia de bandeira, um símbolo e um garante de soberania e de independência: é para mais de cinco milhões de concidadãos nossos que vivem pelo mundo fora, de Caracas a Paris, de Luanda ao Rio de Janeiro, do Luxemburgo ao Maputo, que dependem da TAP para o seu trabalho e os seus negócios, mas também para manter os laços familiares e afectivos com a Pátria.

A primeira obrigação de um Estado soberano é assegurar a união, a coesão e a defesa da comunidade. E a manutenção de uma linha aérea que nos una ao universo da língua portuguesa é uma actividade soberana, tal como a defesa nacional ou a administração da justiça, numa palavra, a salvaguarda dos interesses nacionais, quaisquer que eles sejam e onde quer que eles se encontrem.

Não é isso que entende o Governo, que se escuda nas regras da União Europeia que alegadamente impediriam os estados membros de injectar dinheiro nas suas companhias aéreas. Ora, se necessário fosse, a Comissária europeia da concorrência, Margrethe Vestager, já veio desmentir a versão do Governo, acrescentando que o Estado português não apresentou, até à data, em Bruxelas, nenhuma proposta de viabilização da TAP.

Ajuda do Estado

E, ao contrário do que se quer fazer crer, mesmo nos Estados Unidos, existe um impedimento legal para a compra por empresas estrangeiras de participações maioritárias em qualquer das suas linhas aéreas. Por sua vez, a indústria alemã, por exemplo, é suportada, na generalidade, por uma rede semi-pública de institutos de investigação que beneficiam de investimento estatal. E, conforme reconhece a OCDE, "vários países europeus têm legislação que restringe aquisições por capital estrangeiro; adicionalmente, vários governos europeus tentaram recentemente desencorajar crosscountry takeovers, em sectores que vão da energia aos transportes aéreos e produtos alimentares."

Compra por estrangeiro

Por isso, só não é possível financiar a TAP se o Governo se demitir das suas obrigações e decidir não defender o seu património e o interesse nacional. Sobretudo, depois de o acórdão Altmark do Tribunal de Justiça da UE, ter feito jurisprudência, ao fixar as regras e condições para os Estados Membros poderem financiar, directamente ou através de empréstimos bancários, os serviços de interesse económico geral, o que, no caso da TAP, acontece na grande maioria dos voos (Regiões Autónomas, Diáspora e grandes concentrações de portugueses fora do nosso território). Os princípios que norteiam as políticas de intervenção estatal no sector aeronáutico são muito claros. Por forma a assegurarem alguma estabilidade concorrencial no sector, estas políticas são norteadas pelo princípio "one time, last time", que proíbe uma empresa de receber apoio e ajuda nareestruturação mais do que uma vez a cada dez anos. Ora, não há apoio estatal à TAP há 18 anos!

Mas, além do mais, a TAP não é uma companhia qualquer, porque não somos um país qualquer: somos um país com responsabilidades para com a imensa diáspora de cinco milhões de portugueses, dispersos pelos cinco continentes, e para com os que vivem nos Açores e na Madeira, mas também para com os cidadãos das antigas colónias, na América Latina, em África e no Oriente, um espaço de 250 milhões de falantes da mesma língua: o português. Como alguém escreveu, "privatizar a TAP seria o equivalente histórico a D. Manuel ter dado a exploração das caravelas quinhentistas a navegadores espanhóis".

Privatizar a TAP, que é a maior exportadora nacional, seria, literalmente, como escreveu outro português indignado, "um crime de lesa-Pátria. O que se ganha com a transportadora nacional não fica espelhado nas contas da TAP - está disperso nos ganhos dos hotéis, restaurantes ou centros de conferências, por exemplo".

Para mais, em Portugal, a TAP, pelas características e pela dimensão do país, tem funcionado, na prática, como um monopólio público, e, como lembrou o cidadão António Pires de Lima, pouco tempo antes de ser Ministro da Economia, é um perigo e um erro "privatizar monopólios"!

Se a decisão de privatizar tudo e a todo o custo não obedecesse a um plano para afastar o Estado da economia (e, na floresta dos interesses, sem o Estado, o mercado transforma-se numa selva), o Governo devia ter aprendido com as recentes, graves e desastrosas privatizações de sectores estratégicos da nossa economia - que representaram, também, uma alienação da nossa soberania. Os que alimentam o mito conveniente de que os privados nos libertam dos riscos da má gestão pública deviam, no mínimo, sentir-se abalados pelos casos recentes do BPN (os gastos com a intervenção no BPN cobririam mais de 40 vezes a dívida da TAP), do BES ou da PT.

Os portugueses sentem que a TAP é sua, como eram os CTT, a GALP, a PT, a EDP ou a CIMPOR, o que lhes dá o direito a protestar e a exigir. A sua privatização seria, deste modo, mais uma medida da sistemática alienação dos centros estratégicos de decisão nacionais, como foi também a liberalização da exploração das minas, da floresta ou da água, sem contar com as PPPs ou os SWAPs, com sacrifício do interesse nacional.

De facto, podemos perguntar-nos o que ganhámos nós, como consumidores e como país, com a privatização, total ou parcial, dessas empresas? Aumento de preços e pior serviço, despedimentos, lucros fantásticos para os accionistas, num mercado protegido pelo Estado através de um sistema fiscal que os favorece. Lucros que, na maioria dos casos, não são injectados na nossa economia, uma vez que se trata de empresas de capital estrangeiro. O exemplo da ANA, o maior centro comercial do país, que, desde que foi entregue em mãos privadas, aumentou várias vezes a taxa de aeroporto, devia bastar para nos elucidar.

Mas o Governo reincide: depois de, no passado, ter sido feita uma tentativa, felizmente abortada, de a fundir com a Swissair (que, entretanto, faliu), a TAP viu-se impelida a comprar a Portugália, que também estava falida. Depois, viu-se obrigada a recomprar a Groundforce, então já espanhola, a quem tinha sido entregue todo o handling do aeroporto de Lisboa e Faro, e que prestava cada vez pior serviço. E, finalmente, num negócio desastroso, tanto a nível financeiro como estratégico, e cuja opacidade está por clarificar, foi empurrada para comprar a VEM, no Brasil, operação que tem vindo a custar à holding somas absurdas, que perturbam o plano operacional da empresa no seu core business: o transporte aéreo.

Os portugueses dispõem de uma empresa que funciona bem e prestigia o país, que garante a manutenção do HUB em Lisboa, que, com uma frota diminuta, compete com os gigantes europeus (70 aviões, contra 240 da Air France, 420 da Lufhtansa e 230 da British Airways), que ganhou, por mérito próprio, um papel de liderança absoluta no Atlântico Sul e um papel importante em África, que é uma alavanca de negócios no mercado brasileiro (como aconteceu com a GALP ou PT, graças à entrada da TAP em rotas estratégicas, ou mais recentemente na Colômbia e no Panamá), que, enquanto transportadora aérea, é rentável, que dá trabalho a quase 12.000 pessoas e paga 200 milhões de euros de impostos por ano.

Além de que, através da própria TAP, são todos os anos consumidos e colocados num mercado de milhões de pessoas, produtos que representam aquilo que de melhor é produzido neste País, como sustenta a segunda posição no ranking das Empresas Exportadoras, com mais de dois mil milhões de Euros de vendas ao exterior.

É esta empresa que é nossa, onde o Estado não investe um cêntimo há quase vinte anos, que o Governo quer agora entregar em mãos estranhas ao interesse nacional, e mesmo estrangeiras, uma operação cujo encaixe, além do mais, poderia ser igual a zero.

Um país que entrega tudo à iniciativa privada, fica privado de iniciativa

Privatização da TAP – estratégias políticas e empresariais de Salazar à actualidade


O presente post pretende ajudar o cidadão mais curioso a ter uma visão da actividade da TAP ao longo dos últimos setenta anos. Apresentamos

-as estratégias politicas e empresariais que são realmente relevantes e não meras manifestações de ego, boa vontade e incompetência,

-três gráficos síntese sobre cada um dos três grandes períodos em que dividimos a actividade da TAP (1).

Estes três períodos são: 

-1944/1994 – do “ instrumento de soberania nacional” à empresa aérea da guerra colonial, 

-1976/2000 – o da ‘transportadora aérea nacional’, da nacionalização à liberalização europeia de 1993, que em Portugal se arrasta por mais sete anos de inércia,

-2001-2011 – o da ‘gestão profissional’ da TAP, que absorve o incidente politico partidário de 2002/2004.

Apesar de podermos sobrecarregar a exposição, consideramos ainda dois contratempos: 

-1994-2000 – o pós PESEEF que termina em 2000, quando a gestão profissional se instala na TAP,

-2002/2004 – a frustrada tentativa de voltar a politizar e partidarizar a TAP.

Em simultâneo, temos em conta os dois grandes períodos da regulação internacional do transporte aéreo de passageiros na Europa:

-o da regulação pelos estados e pela IATA – dos anos 40 a 1992,

-desregulação e globalização – de 1993 à actualidade.

 

O leitor deve estar informado sobre Princípios Gerais do blogue (Princípios).

 

0.Enquadramento internacional da TAP

*Regulação do transporte aéreo de passageiros – anos 40 a 90
Entre a segunda metade da década de 40 e 31 de Dezembro de 1992, o transporte aéreo de passageiros na Europa assenta num modelo dual: companhias estatais de bandeira de transporte regular, e companhias privadas de voos fretados (charter).

A regulação do transporte regular é fixada na segunda metade da década de 1940 (2) e assenta em

-Direitos de Tráfego Aéreo bilaterais acordados entre estados, que fixam rotas entre grandes centros urbanos ou apenas entre capitais,

-frequências e repartição de receitas acordadas entre as administrações e companhias de bandeira dos países envolvidos e indicadas pelos estados,

-preços fixados e regulamentados pela IATA.

-entre década de 40 e 1993, acordos bilaterais entre estados a fixar rotas e capacidade, operadas por companhias estatais, acordo de não concorrência e preços fixados no quadro da IATA.

Esta é a origem do conceito de companhia aérea de bandeira. Em regra, é estatal e indicada pelo estado para operar as rotas estabelecidas pelos acordos bilaterais.

Neste sistema, a concorrência entre companhias aéreas é minimizada, com modestas excepções nas décadas de 1970 e 1980, antes da desregulação.

*Desregulação e globalização – dos anos 90 à actualidade
O terceiro pacote da Desregulação do Transporte Aéreo no espaço comunitário entra em vigor a 1 de Janeiro de 1993 e tem efeito equivalente ao do Airline Deregulation Act de 1978 nos EUA (3). De uma assentada elimina

-a diferença companhias regulares/charter, substituída pelo licenciamento de companhias aéreas para operar em toda a União,

-o sistema de acordos bilaterais entre Estados para fixar rotas e frequências partilhadas por companhias escolhidas, substituído pela liberdade de operação das companhias aéreas,

-a fixação de preços no quadro da IATA, substituída pelo regime de preços livres e concorrência aberta.

Neste contexto, globalização refere a crescente concorrência nas ligações intercontinentais. Em Portugal há casos tão variados como o dos países da CPLP, EUA, Venezuela e outros em África.

A desregulação e globalização

-tornam obsoleto o conceito caseiro de transportadora aérea nacional, como veremos no ponto2,

-reduzem drasticamente o de companhia de bandeira, pela simples razão as companhias são privadas, e a maioria dos direitos de tráfego são livres.

 

1.De “instrumento de soberania nacional” à guerra colonial  

*Quantificação possível
O Gráfico 1 ilustra a evolução do número de passageiros da TAP, SARL entre 1953 e 1974. O ritmo de crescimento é diferente entre 1954/1960 e entre 1961/1964, em consequência do tráfego de longo curso com as colónias em regime de monopólio. Este tráfego explica a rentabilidade e crescimento da TAP de antes do 25 de Abril.

Gráfico 1 – TAP SARL – número de Passageiros (1954/1974)
(milhares)

 
Fonte: Entrada Transportes Aéreos Portugueses, Dicionário de História de Portugal, coordenação de António Barreto e Maria Filomena Mónica, Livraria Figueirinhas, Porto

*Decisão política em 1944 e 1953
Nas suas Memórias, Humberto Delgado lembra:

-”Quando, em 1944, os americanos convocaram a conferência de Chicago, Salazar estava desesperado, porque éramos a única potência colonial sem um serviço aéreo que nos ligasse aos territórios ultramarinos. Decidiu então criar o Secretariado da Aeronáutica e nomeou-me Director-Geral.” (4).

Em 1953, está em causa “o alargamento da rede da concessionária [a TAP, SARL], designadamente de modo que venham a ficar ligados por via aérea os diversos territórios nacionais e, assim, estreitados os laços entre os portugueses espalhados pelo Mundo.” (5).

*concessão do serviço público de transportes aéreos de passageiros” (1953)
O apoio público à concessionária implica defesa da sua dimensão nacional:

-“Quer a natureza intrinsecamente nacional do serviço concedido, quer os termos dos acordos internacionais sobre transportes aéreos celebrados pelo Estado, exigem que a presente concessão se faça a uma empresa portuguesa constituída essencialmente por capitais portugueses e cujos corpos gerentes sejam formados por uma maioria de nacionais.” (6).

A substância da concessão:

-“Pela presente concessão, a concessionária obriga-se a explorar desde já as linhas actualmente a cargo dos Transportes Aéreos Portugueses (Lisboa-Porto, Lisboa-Funchal, Lisboa-São Tomé-Luanda, Lisboa-Madrid, Lisboa-Paris e Lisboa-Londres) e, logo que estejam realizadas as condições para tal fim, a prolongar a linha de Africa até Lourenço Marques e a iniciar a exploração da linha Lisboa-Rio de Janeiro, pela Ilha do Sal.

Acresce que o Governo, quando o julgar conveniente, poderá integrar no serviço concedido outras linhas de interesse nacional, designadamente as que assegurem a ligação com os Açores, a Guiné e as províncias ultramarinas do Oriente.

Prevê-se, pois, o alargamento da rede da concessionária, designadamente de modo que venham a ficar ligados por via aérea os diversos territórios nacionais e, assim, estreitados os laços entre os portugueses espalhados pelo Mundo.”.

*”Relevo especial” da linha de África (1962/1973)
Em 1962, os números já mostram a procura que rentabiliza e faz crescer a TAP, SARL:

-“tem um relevo especial a linha de África, quer pelo importante papel que desempenha como instrumento de soberania nacional, quer pelo peso que tem na exploração, dadas as distâncias percorridas” (7).

*Política de não concorrência
Em 1973, o IV Plano de Fomento para 1974/1979 explicita política de não concorrência no transporte aéreo regular:

-“o transporte aéreo regular é uma actividade que não suporta inteiramente a livre concorrência, carecendo de regulamentação que garanta não só a sua viabilidade económica como a satisfação de indispensáveis padrões de segurança […], ratifica-se o principio que o tráfego aéreo regular que se movimenta entre o território português e o de qualquer outro país é considerado reservado às empresas designadas de ambos os países.” (8).

*Soberania nacional e TAP privada
Na sua origem, as companhias estatais de bandeira também são instrumentos de soberania. Em Portugal, o crescimento da TAP durante a guerra colonial mantém uma função de soberania. Em 1974, esta função já está esbatida em muitos países, mas é particularmente relevante no caso da El AL e Israel.

A TAP alimenta uma contradição. É privada e excepção no tempo de companhias estatais. Desde há quase vinte anos, a TAP pública é excepção no tempo de companhias privadas.

 

2.Transportadora Aérea Nacional – o mito que sublima a realidade?

*Resultado líquido da TAP EP e TAP SA entre 1976 e 2000
O Gráfico 2 ilustra o Resultado Líquido da TAP, em milhões de euros actualizados a 2014, entre 1976 e 2000. Sabemos que o indicador é insuficiente e a actualização discutível, mas sabemos que, observados com cautela, estes números ajudam a compreender a evolução da TAP.

A realidade mais evidente é:

-entre 1976/2000, o Resultado Líquido da TAP é consistentemente negativo, com a excepção de 1997 e 1998.

Gráfico 2 – Resultado líquido da TAP EP e TAP SA entre 1976 e 2000
(euros actualizados a 2014)

 
Fonte: Elaboração Própria com base em Relatórios e Contas de TAP, EP (1976/1990), TAP, SA (1991, 2002), Grupo TAP (2003/2011), actualização com base em PORDATA

*Nacionalização da TAP SARL (1975) – continuidade na Revolução
A nacionalização da TAP resulta da conjuntura pós 11 de Março e

-da insegurança perante a inviabilidade da TAP provocada pela perda das linhas de África,

-do custo social de reconversão empresarial para a qual não há capacidade cultural e política (9).

A realidade é conhecida:

-“As dificuldades financeiras da TAP tiveram início em 1974, quando a empresa perdeu o monopólio de transporte nas rotas com destino às antigas colónias portuguesas em África, que se caracterizavam por um tráfego intenso, com elevadas taxas de ocupação e rentabilidade.” (10).

A nacionalização tem duas consequências que ainda hoje condicionam qualquer intervenção politica na TAP

-o que hoje se designa por “uma espécie de condomínio entre o Estado e os sindicatos”, sindicatos fortes e corporativos diga-se, bloqueia a adaptação da TAP às profundas transformações do mercado em que opera,

-garante que uma das funções do Estado é pagar os custos da irresponsabilidade na gestão e nos ‘direitos dos trabalhadores’.

De memória de homem, entre 1975 e hoje não há um só despedimento individual ou colectivo na TAP. Quantas companhias aéreas têm tal palmarés?

*Transportadora aérea nacional
A transportadora aérea nacional é a continuidade da empresa da guerra colonial, adaptada à ruptura política, social e económica do 25 de Abril e da Descolonização. Em 1985 temos uma definição do conceito:

-“A TAP-Air Portugal, EP como companhia de bandeira desempenha uma missão de grande importância económica e de reconhecido mérito cultural, socia e politico ao estabelecer ligações permanentes com as comunidades portuguesas mais significativas e com os países de expressão oficial portuguesa, para além do papel que desempenha como dinamizador da actividade turística nacional.

Sem prejuizo da eficácia das missões que estão confiadas pelo Estado à TAP-Air Portugal, EP, onde sobressai o transporte para as regiões autónomas, entende o governo que a empresa deverá alcançar aequados níveis de rendibilidade e autofinanciamento de modo a desfrutar de uma situação económico-financeira equilibrada.” (11).

*Continuidade do antes do 25 de Abril
Com a evidente excepção das linhas de África, o conceito de transportadora aérea nacional é semelhante ao de instrumento de soberania nacional, de antes do 25 de Abril:

-a politica de não concorrência reconhecida pelo IV Plano de Fomento é uma constante na relação entre a TAP do accionista Estado e a ‘regulação’ pela Direcção Geral da Aviação Civil do Estado regulador,

-haver missões que o Estado pode confiar à TAP-Air Portugal EP, ontem as linhas de África, hoje o transporte para as regiões autónomas,

-os antigos ‘territórios ultramarinos’ mais o lugar especial que o Brasil sempre teve (ver Decreto-Lei de 19539, são os novos Países de Língua Oficial Portuguesa,

-a dinamização da actividade turística nacional é mais evidente, mas é constante desde 1944.

Em relação ao conceito de antes do 25 de Abril, há duas diferenças:

-a TAP “estabelecer ligações permanentes com as comunidades portuguesas mais significativas”,

-a TAP ser fatal e estruturalmente deficitária, porque a estrutura de capital e de custos, a gestão de base político/partidária e o ‘condomínio entre o Estado e os sindicatos’ impedem a reconversão que a poderia rentabilizar.

*Questionar e racionalizar a transportadora aérea nacional?
Dispomos de informação suficiente para afirmar que

-a transportadora aérea nacional é mito que sublima prejuízos e escamoteia a realidade de uma empresa aérea ineficiente que assim justifica apoio do Estado para o seu prejuizo e regalias para os trabalhadores,

-a sua contribuição para o turismo, comunidades portuguesas e ligações com os países de língua oficial portuguesa não só não é a que diz mas chega a ser contra o desenvolvimento do turismo e o serviço aos emigrantes.

Estamos disponíveis para aprofundar o assunto. 

*Para uma avaliação de dezassete anos de nacionalização
A Decisão da Comissão (12) dá-nos uma avaliação de dezassete anos de nacionalização:

-“A TAP atravessa uma grave crise financeira. […], desde a sua nacionalização em 1975, a TAP tem sido permanentemente deficitária, apresentando resultados operacionais negativos. A TAP é deficitária na maior parte da sua rede. Em 1992, apenas registou lucros em 11 das suas rotas, enquanto que outras 30 registaram perdas que ultrapassaram 50 % das receitas.”,

-“Mesmo tendo em conta a extensão média dos percursos, que é em factor que influencia directamente os rácios de produtividade de uma transportadora aérea, a produtividade da TAP é muito inferior à das suas concorrentes.” (o sublinhado é nosso).

A Comissão conclui:

-“A baixa produtividade da TAP é causada pela sua estrutura de custos elevados, baixos rendimentos. A companhia tem excesso de pessoal, está mal organizada e opera demasiados tipos de aviões.”.

-a empresa ser fatal e estruturalmente deficitária, porque a sua estrutura de Capital, de Custos e de Produtividade, mais a Gestão de base político/partidária, impedem a reconversão que a poderia rentabilizar.

Em 1994, a Comissão autoriza o Estado a aumentar o capital da TAP em 180 mil milhões de escudos portugueses e a dar garantias de empréstimo até ao montante máximo de 169 mil milhões de escudos portugueses:

-em valores actuais, temos cerca de €1.4 mil milhões de aumento de Capital e cerca de €1.3 mil milhões de garantias a empréstimos – não é pouca coisa.

 

3.Período entre 1995/2000 – o equívoco de uma estratégia

*Decisão política pertinente contrariada por estratégia empresarial
Em 1995, o Programa do XIII Governo Constitucional prevê que uma das “grandes prioridades” é:

-“Dispor de uma companhia de bandeira dotada de uma gestão equilibrada e sólida, capaz de concorrer em mercado aberto”.

O Plano Estratégico da TAP para 1997/2000 define estratégia empresarial que contraria a decisão politica:

-“Companhia nacional que “domina” o mercado português, das principais comunidades com fortes vínculos a Portugal espalhadas pelo mundo, e dos turistas estrangeiros individuais viajando para Portugal, através de uma rede que engloba os principais destinos desses clientes, de um serviço simples, rápido e tipicamente português, e da recompensa da lealdade desses clientes à TAP, a um preço em linha com as companhias de bandeira concorrentes.” (13).

Com efeito esta visão estratégica ignora o “concorrer em mercado aberto” e está virada para o mercado das “comunidades com fortes vínculos a Portugal espalhadas pelo mundo” e “dos turistas estrangeiros individuais viajando para Portugal”, com a omissão de passageiros viajando em grupo a contrariar a realidade comercial.

 

4.De 2001 à actualidade – tempo da gestão profissional

*Resultado Líquido do Exercício da TAP SA (2001/2013)
O Gráfico 3 ilustra o Resultado Líquido da TAP entre 2001 e 2013 em milhões de euros correntes. Dois comentários:

-em 2001 o Resultado Líquido ainda é negativo, mas é menos do que em 2000 e inicia uma evolução positiva mas perturbada,

-em 2008 o Resultado Líquido é negativo em valores record, exemplo de ocorrência para a qual os accionistas de companhias aéreas têm de estar preparados.

Gráfico 3 – Resultado Líquido do exercício da TAP SA (2001/2013)
(€milhões, preços correntes)

 
Fonte: Elaboração própria com base em Relatórios anuais de TAP SA (2000, 2001) e Grupo TAP (2003 a 2013)

*Nota sobre resultados da gestão profissional
O período entre 2001/2013 é marcado por uma instabilidade positiva do resultado líquido da TAP SA:

-nos treze anos entre 2001/2013, o Resultado Líquido acumulado da TAP SA é de negativo em €-1,5 milhões a preços correntes,

-a TAP SA beneficia de estranha indulgência que a isenta de remunerar o capital investido e, em 1994, não foi pouco,

-as loas à rentabilidade da TAP SA não têm fundamento,

-o justo reconhecimento da gestão profissional é devido porque o accionista é incapaz e os custos de pessoal são intocáveis – em condições normais seria inaceitável.

*Estratégia empresarial de 2001 
A estratégia de 2001 transforma a TAP de companhia cuja “rede depende ainda, em grande medida, dos mercados tradicionais no interior de Portugal e no estrangeiro” em “companhia aérea internacional” (13).

Citamos a síntese da estratégia que marca a TAP de 2001 à actualidade:

-“A TAP-Air Portugal é uma companhia aérea internacional que opera, ligando a Europa a África e às Américas, a partir da sua base operacional em Lisboa, cidade que, devido ao posicionamento geográfico, constitui uma plataforma de acesso privilegiado aos mercados que a companhia serve.

Na disponibilização do serviço aos seus Clientes, a Empresa mantém a sua forte ligação a Portugal, atitude que corresponde ao nicho de mercado onde a sua posição competitiva é mais sustentada, operando em complementaridade com uma ampla interligação a uma rede global, através de uma boa articulação com as suas parcerias em code-share (voos em código repartido).

A TAP-Air Portugal tem como principal actividade o transporte de passageiros e carga, mediante a disponibilização de um serviço na linha da tradicional hospitalidade portuguesa, promovendo a fidelidade dos seus clientes. Paralelamente, contribuem para os resultados da Empresa, o desenvolvimento de actividades de serviço a terceiros, através da intervenção nos negócios de Manutenção e de Handling e, ainda, a participação em actividades complementares, visando o controlo da “cadeia de serviço.” (14).

O hub de Lisboa é fundamental para o sucesso desta estratégia porque assegura uma massa critica de ligações de longo curso que é indispensável ao equilíbrio das contas da TAP. Por outras palavras, sem hub de Lisboa não há TAP tal como a conhecemos.

 

5.A frustrada tentativa de politização e partidarização (2002/2003)

*Programa do XV Governo (Abril de 2002)
O Governo de Durão Barroso toma posse a 6 de Abril de 2002 e o seu Programa

-defende o “aproveitamento económico das rotas tradicionais, designadamente de e para os Países de língua portuguesa”, e

-contraria a estratégia definida em 2001 e que sustenta a recuperação da TAP SA.

A 1 de Outubro de 2002, Cardoso e Cunha é nomeado presidente do conselho de administração da TAP. Divergências do presidente do conselho de administração e a gestão profissional vêm a público e é mencionada a ameaça de regresso à politização e partidarização da TAP.

A tradicional Mensagem do Presidente no Relatório Anual é significativa:

-em 2002, a omite qualquer referência à operação do hub de Lisboa e destaca “Transformar a TAP numa empresa aérea sólida no espaço Europeu” e em 2003 é coerente com a de 2002.

*2004: Programa do XVI Governo (Julho 2004)
Em Julho de 2004, o Programa do Governo de Santana Lopes prevê:

-“prossecução da política de privatização da TAP, procurando as parcerias estratégicas que viabilizem a reestruturação empresarial do Grupo TAP, conferindo-lhe condições de sustentabilidade num mercado internacional altamente competitivo;”.

Sabemos que os Programas de Governo não figuram entre as fontes mais fiáveis, mas há uma robusta diferença entre duas visões:

-“rotas tradicionais, designadamente de e para os Países de língua portuguesa”, do Programa de 2002,

-“sustentabilidade num mercado internacional altamente competitivo”, do Programa de 2004.

Na TAP, SGPS, SA, a partir de 4 de Setembro de 2004, Manuel dos Santos Pinto Barbosa é o novo Presidente do Conselho de Administração.

É encerado o incidente que, a ir mais longe, demitiria a gestão profissional.

 

A Bem da Nação

Lisboa 18 de Dezembro de 2014

Sérgio Palma Brito

 

Notas

(1)O presente post assenta em grande parte em post e documento de trabalho de Setembro de 2012:

-Privatização da TAP Air Portugal (1) - de Salazar à Actualidade


Documento de trabalho: TAP Air Portugal – Notas Genealógicas 1944/2012


(2)Rigas Doganis, Flying of Course, Airline Economics and Mrketing, Fourth Edition, Routledge, London and New York, 2010.

(3)De entre milhentas publicações, escolhemos: Jacob W.F. Sundberg, Airline Deregulation, Legal and Administrative Problems, Stockholm Institute for Scandianvian Law 1957-2009 http://www.scandinavianlaw.se/pdf/39-21.pdf

(4)Humberto Delgado, Memórias, Edições Delfos, 1974

(5)Preâmbulo do Decreto-Lei que nº 39188, de 25 de Abril de 1953, que cria a TAP, SARL.

(6)Decreto-Lei nº 39.188, de 25 de Abril de 1953 “Autoriza o Ministro das Comunicações a contratar, nos termos das bases anexas a este diploma, a concessão do serviço público de transportes aéreos de passageiros, carga e correio em determinadas linhas”.

(7)Presidência do Conselho, Plano Intercalar de Fomento para 1965/1967, Lisboa, Imprensa Nacional, 1964, p. 379.

(8)Presidência do Conselho, IV Plano de Fomento, Tomo I, Metrópole.

(9)Decreto-Lei n.º 205-E/75, de 16 de Abril de 1975, Nacionaliza a companhia dos Transportes Aéreos Portugueses, a contar de 15 de Abril de 1975.

(10)Decisão da Comissão de Julho de 1994” é a designação corrente de

94/698/CE: Decisão da Comissão, de 6 de Julho de 1994, relativa ao aumento de capital, garantias de crédito e isenção fiscal existente em favor da TAP


(11)Resolução do Conselho de Ministros n.º 8/85, de 6 de Fevereiro “Aprova a celebração de um contrato-programa entre o Estado e a TAP - Air Portugal, E. P., e autoriza os Ministros das Finanças e do Plano e do Equipamento Social a intervir na celebração desse contrato em representação do Estado”.

(12)Relatório da TAP SA referente a 1997.

(12)Decisão da Comissão Nota (10).

(13)idem.

(14)Relatório da TAP SA referente a 2001, ponto sobre o Perfil [da companhia].