Introdução à Residência Secundária de Utilização Turística

Este post é uma introdução ao documento Residência Secundária de Utilização Turística (Aqui )

Este é o Ponto 5 do Relatório sobre Quantificar a Contribuição do Turismo Para a Economia (Aqui). A leitura é facilitada por um Glossário.

O Recenseamento da Habitação quantifica a Ocupação do Alojamento Familiar em Residência Habitual, Residência Secundária e Vago. Este conceito de Residência Secundária não tem em conta a sua utilização.

Observação da realidade e alguma investigação confirmam haver duas modalidades de Utilização Turística da Residência Secundária:

-Casa de Férias ou Residência Secundária por Conta Própria,

-Habitações Arrendadas a particulares ou a agências profissionais.

Mais, confirmam ainda
-a importância da Residência Secundária em Utilização Turística para Maximizar a Contribuição do Turismo Para a Economia.

As Estatísticas e Conta Satélite do Turismo definem, entre outros, dois Tipos de Alojamento Turístico Privado que permitem quantificar as duas modalidades de Utilização Turística da Residência Secundária.

A Utilização Turística da Residência Secundária
-é indissociável de Dinâmicas Económicas e Sociais em que se insere,
-resulta dos Modelos de Negócio da Procura Final na Economia do Turismo.

Com base neste conhecimento da Residência Secundária de Utilização Turística,
-apresentamos modelo rudimentar da realidade nacional (não é só Algarve) e diversificada (não é só o Turismo Residencial do Decreto-Lei de 2008) da Residência Secundária de Utilização Turística,
-situamos a Atitude Equívoca da Politica de Turismo e a sua inadequação ao fim que todos visamos: Maximizar a Contribuição do Turismo Para a Economia.


É necessário fixar os conceitos que utilizamos no texto:

-Residência Secundária é a Ocupação do Alojamento familiar no Recenseamento da Habitação de 2011, e substitui o anterior “Uso Sazonal”.

-No âmbito das Recomendações das Instituições Internacionais Sobre Estatísticas de Turismo,

-Casa de Férias ou Residência Secundária Por Conta Própria é a Residência Secundária utilizada pelo Proprietário e Família (1),

-Habitação Arrendada a particulares ou a agências profissionais é a Residência Secundária comercializada no mercado do turismo.

-Residência Secundária de Utilização Turística designa o conjunto da Casa de Férias e da Habitação Arrendada.

Desconhecemos a percentagem de Residências Secundárias que não são de Utilização Turística. Admitimos que é reduzida e que no Algarve não é significativa.

Neste post apenas apresentamos a quantificação pelo Recenseamento da Habitação e Pelas estatísticas e Conta Satélite do Turismo.


1.Residência Secundária no Recenseamento da Habitação
*Conceitos Utilizados Pelo Recenseamento da Habitação
O Recenseamento da Habitação de 2011 assume que cada família tem um local de Residência Habitual. Na quantificação do Alojamento Familiar considera três tipos de Ocupação:

-Residência Habitual, Residência Secundária (quando é apenas utilizado periodicamente e no qual ninguém tem residência habitual) e Vago.

Os Gráficos 1 e 2 dão-nos uma ideia sobre a Ocupação dos Alojamentos Familiares em Portugal, no “momento de referência” do Recenseamento da Habitação de 2011:

-704 mil Alojamentos Familiares Vagos (12% do Total),

-1.099 mil Alojamentos Familiares de Residência Secundária (19% do Total).

Gráfico 1 – Alojamentos Familiares Segundo a Ocupação (Continente - 2011)


Fonte: Elaboração própria com base em INE – Recenseamento da Habitação, 2011


Gráfico 2 – Alojamentos Familiares Segundo a Ocupação, em Percentagem do Total (Continente – 2011)


Fonte: Elaboração própria com base em INE – Recenseamento da Habitação, 2011

Estes números permitem dar base objectiva ao conhecimento de uma realidade importante, vulgarmente conhecida por narrativas e mero agitar de slogans, sempre legitimados por denunciarem um inaceitável desperdício de recursos:

-700.000 casas vazias em Portugal,

-quase metade das casas do País não é de habitação permanente,

Este exercício é parte do discurso sobre ganância de especuladores, oportunismo/corrupção de autarcas e malefícios do betão.

A nossa análise procurar conhecer a realidade e identificar as dinâmicas económicas e sociais da utilização destas casas, de modo a

-criar valor para os privados e comunidade, pela utilização deste património,

-identificar os mecanismos de Regulação Pública dessas dinâmicas.

Sobre a insuficiência patológica da Regulação Pública, o leitor mais curioso pode ficar a conhecer o caso da formação da Oferta de Turismo do Algarve (Aqui).

*Alojamentos Familiares Segundo a Ocupação – NUT II
Os Gráficos 3 e 4 ilustram a repartição por NUT II do Continente, da Ocupação dos Alojamentos Familiares no Recenseamento de 2011.

Gráfico 3 – Alojamentos Familiares Segundo a Ocupação, por NUT II do Continente
(milhares)



Fonte: Elaboração própria com base em INE – Recenseamento da Habitação, 2011


Gráfico 4 – Alojamentos Familiares Segundo a Ocupação, em Percentagem do Total, por NUT II do Continente


Fonte: Elaboração própria com base em INE – Recenseamento da Habitação, 2011

No caso da Ocupação em Residência Secundária,

-Norte e Centro são as NUT II mais importantes,

-No Algarve a Ocupação em Residência Secundária representa 39% do Total de Alojamentos Familiares, acima dos 19% do Continente, mas em quantidade só é superior ao Alentejo.

A repartição da Residência Secundária por NUT II indicia que

-se trata de uma realidade nacional, mais importante no Norte e no Centro e mais densa no Algarve,

-a sua densificação no Algarve é ainda mais acentuada se considerarmos a 
sua concentração numa estreita faixa de cerca de um terço do litoral.

2.Residência Secundária de Utilização Turística nas Estatísticas e Conta Satélite do Turismo

2.1.Estatísticas do Turismo
*Dois Tipos de Alojamento Turístico Privado
Desde 1993, as Recomendações e Decisões das Instituições Internacionais (2) definem dois tipos de Alojamento Turístico Privado:

1.Casa de Férias (Secondary Residence):

-“Comprise second homes/apartments, villas, houses, chalets, etc. used during the tourist trip by visitors who are members of the owner household”

-“Este grupo inclui residências secundárias, apartamentos, vilas, vivendas, chalés, etc., utilizados durante a viagem de turismo por visitantes que são membros do agregado familiar proprietário das mesmas”.

2.Habitações Arrendadas a particulares ou a agências profissionais (Dwellings rented from private individuals or professional agencies):

-“Comprise apartments, villas, houses, chalets and other dwellings rented or leased as complete units between households, on a temporary basis, as tourist accommodation”,

-“Incluem apartamentos, vilas, vivendas, chalés e outras habitações alugadas ou arrendadas como unidades completas, entre agregados familiares, na qualidade de alojamento turístico, numa base temporária”.

*Um Alojamento Familiar, Duas Utilizações
O tipo de Utilização Turística da mesma Residência Secundária evolui segundo duas situações:

-uma alteração de fundo: a Casa de Férias, de utilização exclusiva pelo proprietário e família, passa a ser utilizada como Habitação Arrendada,

-a alteração da utilização ser parte do modelo de negócio: parte do ano em Habitação Arrendada e parte em Casa de Férias.

Há uma lição a tirar:

-a Intervenção Pública deve visar apenas interesse público relevante e permitir uma flexibilidade de utilização compatível com os interesses do Proprietário e as exigências do Mercado.

*Casa de Férias e Habitação Arrendada no Turismo Interno
O Gráfico 5 ilustra a evolução, entre 2009 e 2012, das Dormidas em Casa de Férias, Habitação Arrendada e Alojamento Classificado, no âmbito do Turismo Interno (Viagens Turísticas de Residentes em Portugal e Destino Portugal). 

Dois comentários:

-a utilização da Casa de Férias chega a ser superior à de todo o Alojamento Classificado,

-a utilização da Casa Arrendada varia entre 50% e 40% da de todo o Alojamento Classificado – o número de 2012 exige análise mais profunda.

Gráfico 5 – Turismo Interno: Dormidas em Casa de Férias, Habitação Arrendada e Alojamento Classificado
(milhões)


Fonte: Elaboração própria com base em INE – Estatísticas de Turismo

Não podemos analisar as Dormidas em Casa de Férias, Habitação Arrendada e Alojamento Classificado, no âmbito do Turismo Receptor (Viagens Turísticas de Não Residentes em Portugal e Destino Portugal), porque,

-em 2008, o Inquérito ao Movimento de Pessoas nas Fronteiras e o Inquérito aos Gastos Turísticos Internacionais foram descontinuados – certamente A Bem da Nação.

2.2.Conta Satélite do Turismo
*Quadro Conceptual de 2010 – Conceitos e Aplicação
No âmbito do Quadro Conceptual de 2010,

-“Vacation homes under full ownership” são um dos tourism specific fixed assets, assim qualificados porqueIf tourism did not exist, such assets would be of little value as they could not easily be converted to non-tourism applications.” (3).

O Gráfico 6 ilustra a Formação Bruta de Capital Fixo em três Actividades Características do Turismo.

Três Comentários:

-a Formação Bruta de Capital Fixo por Segundas Residências Por Conta Própria iguala ou ultrapassa a de Hotéis e Similares,

-a análise da FBCF exige muito mais do que a informação fornecida por este gráfico, mas a ordem de valores é significativa,

-vários contactos com quadros qualificados do INE permitem afirmar que a avaliação da informação sobre a FBCF está subavaliada. 

Gráfico 6 – Formação Bruta de Capital Fixo em Três Actividades Características do Turismo
(milhões de euros)


Fonte: Elaboração própria com base em INE - Conta Satélite do Turismo 2000-2010

*Casa de Férias e Consumo Turístico
Citamos a definição de Consumo Turístico:

-“Tourism consumption has the same formal definition as tourism expenditure. Nevertheless, the concept of tourism consumption used in the Tourism Satellite Account goes beyond that of tourism expenditure. […] it also includes services associated with vacation accommodation on own account, tourism social transfers in kind and other imputed consumption. These transactions need to be estimated using sources different from information collected directly from the visitors, such as reports on home exchanges, estimations of rents associated with vacation homes, calculations of financial intermediation services indirectly measured” (4).

O Gráfico 7 ilustra a evolução do Consumo do Turismo no Território Económico. 

O INE não dá o detalhe por Actividades Características do Turismo, pelo que não sabemos qual o contributo da utilização da Casa de Férias.

O valor do Consumo Turístico atinge quase € 15 mil milhões, mas

-este valor pode ser comparado com o do PIB na habitual “percentagem do PIB”, não pode é ser utilizado para medir a Contribuição do Turismo Para o PIB.

Gráfico 7 – Consumo do Turismo no Território Económico
(milhares de euros)


Fonte: Elaboração própria com base em INE - Conta Satélite do Turismo 2000-2010


3. Nota Final

*Visão Dominante e Redutora de Turismo
Ao longo de anos, a Visão Dominante e Redutora de Turismo é reforçada pela relação entre Politica e Serviços de Turismo com as Industrias da Hotelaria e das Agências de Viagens. Portugal é um dos países em que,

-“Short-term accommodation services are considered so important for tourism that many countries consider the establishments providing them as well as those providing food and beverage services and travel agency services as constituting their whole tourism industry.” (5).

A Visão que a Politica de Turismo tem do Alojamento Turístico

Dominante, porque a lei define que a Politica de Turismo regulamenta, orienta, disciplina e fiscaliza as Actividades Turísticas,

Redutora pela Atitude Equívoca (misto de «esquecer, ignorar, hostilizar, tolerar, proibir») em relação ao Alojamento Não Classificado, com destaque pelas Residências Secundárias de Utilização Turística.

*1963 – Inovação no Licenciamento de Penina e Vale do Lobo
Em 1963, o licenciamento de Penina e Vale do Lobo é exemplo inspirador da Politica que falta à Economia do Turismo do Algarve (6):

-contra pareceres dos Serviços de Turismo, o Ministro das Obras Publicas aprova dois conjuntos de Hotel e Golfe, mais Moradias “cuja venda contribuísse para custear as despesas do empreendimento e aumentar a rentabilidade do projecto”, como pretendiam os promotores.

Os dois empreendimentos inovam pela sua escala, por visarem o mercado externo e combinarem Hotel, Golfe e Imobiliária – o mix na base das mais qualificadas de entre as Residências Secundárias de Utilização Turística.

Na Tapada da Penina, o projecto integra um Campo de Golfe “aproveitando as magníficas condições climatéricas do Algarve durante o Inverno proporcionasse divertimento aos hóspedes, constituísse um poderoso atractivo e permitisse uma maior valorização do conjunto. Escolheu-se a quinta da Penina exactamente porque tinha área suficiente para o Campo de Golfe, possuía bastante água e permitia ainda aproveitar o terreno sobrante de 65 hectares para a divisão de lotes, cuja venda contribuísse para custear as despesas do empreendimento e aumentar a rentabilidade do projecto.”. Este texto de 1966 resume o que ainda hoje está em causa.

Em 1963, Vale do Lobo ocupa 100 hectares, com 820 metros de praia. O projecto prevê 1.750 pessoas, um Hotel até 160 quartos, golfe e “Moradias para aluguer e venda”. A dinâmica é similar à do projecto da Penina.

Em 2013, Vale do Lobo e Penina são estabelecimentos que não reúnemos requisitos para serem considerados empreendimentos turísticos” (7).

*2008 – Regime Jurídico da Instalação, Exploração e Funcionamento dos Empreendimentos Turísticos
O RJIEFET de 2008 impõe que

-as unidades de alojamento estejam permanentemente em regime de exploração turística, podendo ser utilizadas pelo Proprietário e família, se usufruírem “dos serviços obrigatórios da categoria do empreendimento”,

-Estabelecimentos como Penina e Vale do Lobo continuem fora do âmbito da Politica de Turismo e num vazio legal,

-a aquisição de Residências Secundárias de Utilização Turística ao Modelo de Negócio do Investimento para Rendimento, baseado no “borrow, to buy, to let, to make money with rentals and short future resale”, que antecede a Crise de 2008/2009,

-exclui o Modelo de Negócio que o Mercado Valoriza: o da Utilização Exclusiva da unidade de alojamento pelo Proprietário e Família, com ou sem algum rendimento, mas sem a obrigação de Disponibilização obrigatória Para Exploração Turística e de Serviço Hoteleiro.

Em 2013, as Residências Secundárias de Utilização Turística são regulamentadas por um dos mais lamentáveis e anacrónicos diplomas do ordenamento jurídico da Economia do Turismo.

*O Futuro
Consideramos apenas o Algarve, com 149.000 Residências Secundárias, em 2011. Desde há anos que é corrente designar, de maneira pejorativa, Cada de Férias e Habitação Arrendada por “Imobiliária” e “Camas Paralelas”, respectivamente.

Desde a Politica de Turismo ao algarvio mais distraído, passando pela Elite Regional, ninguém tem em conta que

-desde as primeiras intervenções dos primeiros pioneiros, o Turismo do Algarve integra Promoção de Residências Secundárias de Utilização Turística e Estadias Temporárias na Hotelaria – desde 1963/1964, Penina, Vale do Lobo, Vilamoura, Praia de Alvor, Prainha, Alvor Vila Lara e outros não existiriam sem a Residência Secundária,

-as 149.000 Residências Secundárias são investimento de mais de 100.000 famílias, portuguesas e estrangeiras, que confiaram na Região e empenhar-se-ão em acções para a valorizar,

-mesmo com estagnada Promoção de Imobiliária Turística e Residencial, há uma Cadeia de Valor com base na Administração, Manutenção, Exploração e Revenda dos Estabelecimentos Alojamento Turístico Colectivo das quatro morfologias referidas antes.

Na segunda metade de 2008, a Promoção de Imobiliária Turística e Residencial tem uma queda violenta e estrutural da qual vai levar muitos anos a recuperar. A Politica e a Cultura dominantes ainda confundem a Promoção Imobiliária com a Cadeia de Valor a que esta dá lugar. A consequência é trágica

-quando a Economia do Algarve e do País mais precisam da performance desta Cadeia de Valor, Politica e a Cultura dominantes não só nada fazem para a apoiar como a contrariam.

Voltaremos a este tema.

A Bem da Nação

Albufeira 7 de Outubro de 2013

Sérgio Palma Brito

Notas

(1)Na versão em inglês da Decisão de 1998, Secondary residence designa a Casa de Férias pode criar confusão com a Residência Secundária do Recenseamento da Habitação [ver ponto 3.2.1 do Relatório].

(2)Esta terminologia não inclui o investimento em Alojamento Familiar para rendimento, no mercado do Arrendamento Urbano ou no da Exploração Turística. Não consideramos uma realidade presente em Áreas Turísticas e com tradição em Portugal: durante os meses de Verão, a Família utiliza um alojamento temporário e precário, para que o seu Alojamento Familiar de Residência Habitual seja comercializado como “Habitações arrendadas a particulares ou a agências profissionais”. 

(3)A Segunda Residência Por Conta Própria é objecto de várias especificações no Quadro Conceptual da Conta Satélite do Turismo de 2010 – o Índice Remissivo é de consulta indispensável.

(4)O surto de Emigração mais recente, consequência do ajustamento da Economia Portuguesa, reforça a Visita a Familiares e Amigos e o Alojamento Gratuito em Casa de Familiares e Amigos, mas ainda não tem impacte na Residência Secundária de Utilização Turística.

(5)Recomendações de 2010, parágrafo 6.22.

(6)Entre outros, ver Penina e Vale do Lobo – Inovar em 1963 (Aqui).


(7)Número 1 do Artigo 3º do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março “Aprova o regime jurídico da instalação, exploração e funcionamento dos empreendimentos turísticos” –RJIFIET.

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