O Algarve às Sextas (2012.1.6)
Década de 1960 – A Mutação do Turismo no Algarve

Em Abril de 1962, o Governo decide que as despesas de construção e equipamento do aeroporto de Faro “serão feitas com dispensa no cumprimento de todas as formalidades legais, incluindo o visto do Tribunal de Contas”. Esta decisão marca o «antes» e o «depois», no novo turismo do Algarve.

→ A Inovação Que Muda a Viagem Para Estanciar, na Europa

Na Inglaterra de 1950 (1), as viagens para o estrangeiro são organizadas por agências tradicionais, como a Thomas Cook, e companhias aéreas de bandeira, a vender a ida e volta a Nice por 70 Libras. Há companhias de voos fretados, em DC3 reconvertidos do uso militar, mas limitadas a contratos pontuais.

O entrepreneur inovador é Vladimir Raitz. No destino, reserva estadias com tudo incluído, para 32 pessoas durante 16 semanas - o alojamento é em tendas do exército americano, mas há comida, bebida, animação, romance e o Mediterrâneo. Reserva as 16 idas e volta em DC3, o que será sempre o grande risco dos operadores de Pacotes Turísticos. Apenas obtém autorização para o que serão os affinity charters: vendas só a professores e estudantes. O Pacote custa 32 Libras e 10 shilligs, menos de metade só de voar para Nice! Em 1950, perde dinheiro, mas a dinâmica está lançada – em 1952, apesar da oposição da companhia de bandeira, o pacote de férias é de venda livre.

Os mais de sessenta anos desta nova maneira de voar exigem artigo futuro. Hoje, lembramos quatro casos icónicos. Nos entrepreneurs, destaque para o pastor protestante da Dinamarca, que cria um operador e acaba por adquirir o seu maior concorrente. Em 1971, a Horizon já é um dos “big five” que controlam 50% do mercado dos Operadores Turísticos da Grande Bretanha, em 1974, é adquirida pela Court Line e, em 1988, pela Thompson Holidays, um dos big five de 1971 – é a concentração em marcha. A Thompson tem a sua própria companhia aérea – é a integração vertical. Em 1992, a Thomas Cook é comprada por um banco e um operador alemão – é a Alemanha a assumir a liderança das viagens dos europeus.

As previsões dos investigadores da Universidade de Oxford, em 1944, estão certas e poderiam ser replicadas para países desenvolvidos da Europa do Norte. O Package Holiday é a inovação que não previram e vai deslocar, para o Mediterrâneo, a maior parte da procura pela viagem para estanciar. 

→ A Bacia Turística Alargada do Mediterrâneo
A Bacia Turística Alargada do Mediterrâneo forma-se, a partir da década de 1950, pelo desenvolvimento rápido e simultâneo de várias Áreas Turísticas, cada uma formada em torno do aeroporto de chegada dos Voos Fretados, que a tornam acessível às classes médias do Norte da Europa.

Acessibilidade aérea, mais tempo livre e rendimento disponível oferecem uma geografia, dimensão e diversidade novas, à procura da viagem para estanciar durante o tempo livre.
Os limites da Bacia estendem-se, para Oeste e Sudoeste, ao Algarve, à costa marroquina e às Ilhas Atlânticas, para Nascente, ao Mar Negro e ao Vermelho.

O Algarve é uma destas Áreas Turísticas, influenciada pela estrutura fundiária, ausência de burguesia regional forte e péssima Regulação Pública.

→ O Algarve, a Partir de 1962 a 1966
A mutação do Turismo é visível nos novos empreendimentos de alojamento turístico. Os hotéis têm papel secundário, em favor de edifícios de apartamentos, “aldeamentos” em extensão (alguns com golfe) e “conjuntos de aldeamentos”.

Os Serviços de Turismo não estão preparados para esta realidade e ignoram-na ou hostilizam-na. Começa a formação e uma Oferta de Alojamento fora da legislação do turismo e a incapacidade da Regulação Publica da Oferta de Turismo.

Os empreendimentos seguem os dois modelos de estâncias dos séculos XVIII e XIX:
  • densificação e extensão de núcleos urbanos da vilegiatura tradicional – o ícone é a edificação de altos blocos de apartamentos, nas frentes mar da Praia da Rocha, Armação e Quarteira, lá onde não deveria haver mais de três andares,
  • a instalação de estâncias em espaço rural – sem ser exaustivo, é o caso de Penina e Vale do Lobo, Torres do Alvor, Prainha e Salvor, Vila Lara, Auramar. Aldeia Turística das Areias de S. João e Vilamoura e de planos had hoc, como o de Valorização da Praia Maria Luísa (2).
A densificação é de autorização Municipal, sob parecer da DGSU (3). As “estâncias em espaço rural” são autorizadas pelo Ministro das Obras Públicas que, passe o plebeísmo, se marimba para os Serviços de Turismo.

Em poucos anos, o Turismo do Algarve é um mutante, com modelos de negócio numa escala e diversidade desconhecidas antes.

→ Urbanização Dispersa: Abandono dos Planos de Urbanização e Loteamentos Urbanos
No dia em que Salazar demite Duarte Pacheco (18 de Janeiro de 1936), está selado o destino do ordenamento do território em Portugal: começa o longo período em que a Lei Estrutura a Informalidade, que vai Desordenar o Território do País.

Passados trinta anos, quando estamos em plena mutação do Turismo do Algarve
  1. o então já desacreditado Planeamento Urbano de Escala Regional é abandonado, no início da década de 1960 – entre 1933 e os PDMs da década de 1990, só são aprovados três Planos: Lagos, Zona Nascente de Quarteira e o não eficaz da Meia Praia,
  2. os Loteamentos Urbanos, em 1965, e o laxismo da Administração e do Governo na sua aplicação, fomentam a Urbanização Turística Dispersa, como no resto do País fomentam a Urbanização residencial – contaremos como.
Esta fase dura até ao PROTAL de 1991 e aos PDMs da década de 1990. O que vem a seguir é tema próximo, mas resulta deste processo.

→ Mutação da Habitação Dispersa do Povoamento Rural Tradicional
No Barrocal e Litoral, a Habitação Dispersa do Povoamento Rural do Algarve de antes de 1960 conhece uma expansão já não ligada à ruralidade, mas à residência da população local e casas do tempo livre.

A expansão da Edificação Dispersa completa a Urbanização Dispersa, no progressivo desordenamento do território do Algarve. Em 1991, já implica 400 km2 hectares. Em 2004, o documento da Revisão do PROTAL que detalha o agravar da situação é ignorado (4). Por essa altura, o total do solo urbano e turístico é estimado em 193 km2.

→ A Alojamento Turístico do Algarve, em 2011
No Algarve de 2011, há cerca de 100.000 camas de Alojamento Turístico Classificado e cerca de 140.000 Fogos de Uso Sazonal, com cerca de 700.000 camas.

A Politica de Turismo, a Elite Regional e a grade maioria dos Estudo Científicos Universitários ignoram ou hostilizam este investimento de mais de cem mil famílias, portuguesas e estrangeiras.

Uma Região que cria valor a partir de Lixo, recusa “criar valor a partir deste investimento privado, que é um activo regional e nacional”. Estranho caminho para “vencer a crise”.

→ E o Futuro?
O leitor continua com pressa em conhecer o Futuro? Precisamos de conhecer o passado e o presente: O pior cego é o que não quer ver. Quer algo de mais erudito? Só em 1543 (5), quando já se dissecam cadáveres há dois séculos, os erros de Galeno e anatomistas antigos “são corrigidos com método honestidade e rigor” por Vesale. Goethe disse “O homem vê o que o homem sabe» - durante duzentos anos, médicos viam o que sabiam.

Sobre o Algarve, muitas pessoas sabem muito e vêem o que sabem – esperamos que não precisem de dois séculos para verem a realidade.

Albufeira 6 de Janeiro de 2012
Sérgio Palma Brito


Referências
(1) Roger Bray and Vladimir Raitz, Flight to the Sun, The Story of the Holiday Revolution, Continuum, London and New York, 2001 – os autores sublinham que é uma story e não um livro de História
(2) Brevemente, disponibilizamos uma resenha sobre a origem e desenvolvimento destes empreendimentos
(3) DGSU – Direcção Geral dos Serviços de Urbanização; por lei e inexistência de Planos de Urbanização aprovados, todas as autorizações municipais têm de ter a aprovação da DGSU, quando não do Ministro 
(4) Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Algarve, Hipólito Bettencourt (2004) Padrões de Ocupação do Solo, 3º Relatório, Revisão do PROTAL, Faro.
(5) Maurice Tubiana, História da Medicina e do Pensamento Médico. Teorema, 1995, Lisboa, p. 133

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