O Algarve às Sextas (2011.12.30)
Viajar para estanciar: Economia, História e Geografia

Na Europa, o transporte por comboio altera profundamente a procura por viajar e a oferta nos destinos da viagem. O Algarve continua a ser uma pequena região, isolada a Sul de Portugal. Até ao início da década de 1960, a prosperidade dos seus habitantes depende de peculiares relações com o exterior: exportação, emigração e migração. Vamos conhecer a genealogia da modalidade de viagem que tudo vai mudar.

Um Prática Social Duas Vezes Milenar
Há mais de dois mil anos, o homem abastado que vive na urbe mantém uma prática social cuja morfologia não se altera: viajar para estanciar em local aprazível e voltar à sua residência. A tracção animal e a energia do vapor fixam o alcance da deslocação. O tempo da estadia depende de ritmos da Natureza, da Economia e da Sociedade. Muitos dos mais abastados dos viajantes adquirem uma casa no local de estadia.

Nestes milénios, não mudam as necessidades que estão na origem do desejo de viajar e da procura por uma estadia. Mudam os desejos, os destinos e, sobretudo, a vivência do otium, do lazer ou do tempo livre.

Esta modalidade de viagem é diferente do tour, urbano e cultural, uma diferença que dura até hoje e explica muito da realidade do Algarve.

→ O Alojamento e as Estâncias
Em Roma, a villa, inicialmente ligada à exploração agrícola, passa a ser espaço da vivência do prazer e a sua localização é escolhida em função da nova utilização. Na Baía de Nápoles, há a primeira concentração de villas, muitas no litoral, algumas ligadas ao mar – Báias é a primeira estância da História.
 
Cai o Império Romano e a casa de campo renasce em Florença. Rafael Alberti descreve a sua localização: “Neither should a Country House stand in a remote, desert, mean Corner, distant from a reasonable Neighbourhood; but in a Situation where you may have People to converse with, drawn to the same Place by the Fruitfulness of the soil, the Pleasantness of the Air, the Plentifulness of the Country, the Sweetness of the Fields, and the Security of the Neighbourhood.” (1).

A partir do início do século XVIII, o desenvolvimento económico e social da Inglaterra está na origem das primeiras estâncias, uma inovação e obra de promotores, arquitectos e criadores de experiências. Há que acolher, ocupar e divertir uma procura da aristocracia e da gentry, que a casa de campo não comporta. As Termas de Bath, a partir de 1700, e a Praia de Brighton, a partir de 1750, são ícones de uma transformação que, antes da Revolução Industrial, assume escala impressionante.

Com a Revolução Industrial e o acesso em comboio, formam-se os dois tipos de estâncias que ainda hoje conhecemos. O primeiro é o da expansão de um pequeno aglomerado urbano da pesca ou de alguma vilegiatura tradicional. O segundo é o da estância, quase sempre perto ou sobre o mar, criada a partir de terreno rural, com promoção e financiamento profissionais.

A genealogia é longa, mas clara. O T2 de Armação de Pêra descende do palácio de Adriano, em Tivoli e Albufeira é a Báias de classes médias.

→ Os Cenários
O estanciar tem lugar em quatro grandes cenários. O primeiro é o do campo – primeiro em Roma e depois, nos arredores de Florença, quando há burgueses na urbe e paz no campo.

O segundo é o das Termas da Inglaterra do início do século XVIII. Em 1850, quando as Termas do Continente já vivem momentos áureos, as Termas de Inglaterra já estão em decadência.

Em de meados do século XVIII, o litoral, mais de mil anos depois da queda do Império Romano, a praia e o mar voltam a ser espaço da vivência do tempo livre. É um espaço vasto, livre e popular – como o futebol, que pode ser jogado, de pé descalço, num terreiro. Este vai ser o grande cenário das Experiências vividas durante o tempo livre.

O cenário das Estâncias Climatéricas é mais ambíguo, porque nele se mistura a terapêutica da tísica, os bons ares e, muito simplesmente, gente do Norte em estadias invernais, no clima ameno do Mediterrâneo.

→ Revolução Industrial, Caminho de Ferro, Urbanização e Desenvolvimento
Com a Revolução Industrial, quatro factores alteram a escala da viagem para estanciar. A Economia aumenta a urbanização da população, que cria a nova escala da procura, que a rentabilização do comboio exige.

Cria, também, o rendimento disponível que torna a viagem acessível a cada vez mais elementos de classes sociais mais numerosas.

A Sociedade cria novos tempos de estadias: as de curta duração juntam-se às férias estivais. A Sul de França, o vértice alargado da pirâmide social vive a longa estadia de Inverno ou a emigração para viver a velhice.

O comboio exige mais gente a viajar e coloca mais gente dos destinos da viagem. A urbanização e urbanismo Turístico conhecem novas formas.

→ Oxford, 1944: Prever o Futuro
Em 1944 (2), ainda sob as bombas nazis, um grupo de investigadores de Oxford avalia “holiday from the consumer’s point of view” e o “standpoint of the industry”. A primeira frase é um hino à lucidez: “Holiday trades were important before the war, and are likely to be even more so in the future”. Citamos agumas das previsões.

Há o reforço de tendências já verificadas antes da Guerra: “more short breaks” e “the increase in the number of people taking annual holidays of one or more weeks”.

Confirma-se que “Not everyone goes to costal resorts”, mas “The English seaside resorts seem likely to remain the backbone of the tourism industry”.

Na acessibilidade, “The age of the motorcar is supersiding that of the railway, and is likely to have a profound effect on holiday habits in the future”.

O “perennial appeal” da “farmhouse holiday”, o alojamento particular ou em casa de familiares contam para as ferias dos “very poor”.

No outro extremo da escala social, “we can know little about the holidays of the very rich”, pois “They may go to their own country cottages or big estates, and not use commercial accommodation at all”.

Há uma zona desconhecida: “The people who go off on their own, for whatever reason, for quiet holiday leave little trace, and this is why their part as holiday-makers may seem to be minimised in a study of holiday trades”.

Quanto aos reformados, “it seems justifiable to regard them as permanent holiday makers”, sobretudo nas estâncias termais “wich are primarily given over to retired persons”.

Facto novo é “the new classes of holiday makers”, cerca de 18.5 milhões de pessoas com direito a “Holidays with pay” – “prolonged stay away from home of the working man is essentially the product of this century, and more particularly an aftermath of last war [I Guerra Mundial]”.

→ E o Futuro?
O leitor continua com pressa em conhecer o Futuro? Deixamo-lo com uma citação de Vitorino Magalhães Godinho:

“A realidade e sempre, assim, um complexo mais ou menos coerente – ou, antes, incoerente – de estruturas configurando-se num espaço geográfico, processando-se nos termos histórico-sociais.” (3).

Sérgio Palma Brito



Referências
(1) Leon Battista Alberti, De re aedificatoria, The Ten Books of Architecture, The 1755 Leoni Edition, Dover Publications, 1986, Livro V, Capítulo XIV 

(2) Elizabeth Brunner, Holiday Making and the Holiday Trades, Nuffield College, Oxford University Press, London, 1945 
(3) Vitorino Magalhães Godinho, Complexo Histórico e Geográfico, Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, Volume I, p. 644

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