O Algarve às Sextas (2011.12.30)
Viajar para estanciar: Economia, História e Geografia

Na Europa, o transporte por comboio altera profundamente a procura por viajar e a oferta nos destinos da viagem. O Algarve continua a ser uma pequena região, isolada a Sul de Portugal. Até ao início da década de 1960, a prosperidade dos seus habitantes depende de peculiares relações com o exterior: exportação, emigração e migração. Vamos conhecer a genealogia da modalidade de viagem que tudo vai mudar.

Um Prática Social Duas Vezes Milenar
Há mais de dois mil anos, o homem abastado que vive na urbe mantém uma prática social cuja morfologia não se altera: viajar para estanciar em local aprazível e voltar à sua residência. A tracção animal e a energia do vapor fixam o alcance da deslocação. O tempo da estadia depende de ritmos da Natureza, da Economia e da Sociedade. Muitos dos mais abastados dos viajantes adquirem uma casa no local de estadia.

Nestes milénios, não mudam as necessidades que estão na origem do desejo de viajar e da procura por uma estadia. Mudam os desejos, os destinos e, sobretudo, a vivência do otium, do lazer ou do tempo livre.

Esta modalidade de viagem é diferente do tour, urbano e cultural, uma diferença que dura até hoje e explica muito da realidade do Algarve.

→ O Alojamento e as Estâncias
Em Roma, a villa, inicialmente ligada à exploração agrícola, passa a ser espaço da vivência do prazer e a sua localização é escolhida em função da nova utilização. Na Baía de Nápoles, há a primeira concentração de villas, muitas no litoral, algumas ligadas ao mar – Báias é a primeira estância da História.
 
Cai o Império Romano e a casa de campo renasce em Florença. Rafael Alberti descreve a sua localização: “Neither should a Country House stand in a remote, desert, mean Corner, distant from a reasonable Neighbourhood; but in a Situation where you may have People to converse with, drawn to the same Place by the Fruitfulness of the soil, the Pleasantness of the Air, the Plentifulness of the Country, the Sweetness of the Fields, and the Security of the Neighbourhood.” (1).

A partir do início do século XVIII, o desenvolvimento económico e social da Inglaterra está na origem das primeiras estâncias, uma inovação e obra de promotores, arquitectos e criadores de experiências. Há que acolher, ocupar e divertir uma procura da aristocracia e da gentry, que a casa de campo não comporta. As Termas de Bath, a partir de 1700, e a Praia de Brighton, a partir de 1750, são ícones de uma transformação que, antes da Revolução Industrial, assume escala impressionante.

Com a Revolução Industrial e o acesso em comboio, formam-se os dois tipos de estâncias que ainda hoje conhecemos. O primeiro é o da expansão de um pequeno aglomerado urbano da pesca ou de alguma vilegiatura tradicional. O segundo é o da estância, quase sempre perto ou sobre o mar, criada a partir de terreno rural, com promoção e financiamento profissionais.

A genealogia é longa, mas clara. O T2 de Armação de Pêra descende do palácio de Adriano, em Tivoli e Albufeira é a Báias de classes médias.

→ Os Cenários
O estanciar tem lugar em quatro grandes cenários. O primeiro é o do campo – primeiro em Roma e depois, nos arredores de Florença, quando há burgueses na urbe e paz no campo.

O segundo é o das Termas da Inglaterra do início do século XVIII. Em 1850, quando as Termas do Continente já vivem momentos áureos, as Termas de Inglaterra já estão em decadência.

Em de meados do século XVIII, o litoral, mais de mil anos depois da queda do Império Romano, a praia e o mar voltam a ser espaço da vivência do tempo livre. É um espaço vasto, livre e popular – como o futebol, que pode ser jogado, de pé descalço, num terreiro. Este vai ser o grande cenário das Experiências vividas durante o tempo livre.

O cenário das Estâncias Climatéricas é mais ambíguo, porque nele se mistura a terapêutica da tísica, os bons ares e, muito simplesmente, gente do Norte em estadias invernais, no clima ameno do Mediterrâneo.

→ Revolução Industrial, Caminho de Ferro, Urbanização e Desenvolvimento
Com a Revolução Industrial, quatro factores alteram a escala da viagem para estanciar. A Economia aumenta a urbanização da população, que cria a nova escala da procura, que a rentabilização do comboio exige.

Cria, também, o rendimento disponível que torna a viagem acessível a cada vez mais elementos de classes sociais mais numerosas.

A Sociedade cria novos tempos de estadias: as de curta duração juntam-se às férias estivais. A Sul de França, o vértice alargado da pirâmide social vive a longa estadia de Inverno ou a emigração para viver a velhice.

O comboio exige mais gente a viajar e coloca mais gente dos destinos da viagem. A urbanização e urbanismo Turístico conhecem novas formas.

→ Oxford, 1944: Prever o Futuro
Em 1944 (2), ainda sob as bombas nazis, um grupo de investigadores de Oxford avalia “holiday from the consumer’s point of view” e o “standpoint of the industry”. A primeira frase é um hino à lucidez: “Holiday trades were important before the war, and are likely to be even more so in the future”. Citamos agumas das previsões.

Há o reforço de tendências já verificadas antes da Guerra: “more short breaks” e “the increase in the number of people taking annual holidays of one or more weeks”.

Confirma-se que “Not everyone goes to costal resorts”, mas “The English seaside resorts seem likely to remain the backbone of the tourism industry”.

Na acessibilidade, “The age of the motorcar is supersiding that of the railway, and is likely to have a profound effect on holiday habits in the future”.

O “perennial appeal” da “farmhouse holiday”, o alojamento particular ou em casa de familiares contam para as ferias dos “very poor”.

No outro extremo da escala social, “we can know little about the holidays of the very rich”, pois “They may go to their own country cottages or big estates, and not use commercial accommodation at all”.

Há uma zona desconhecida: “The people who go off on their own, for whatever reason, for quiet holiday leave little trace, and this is why their part as holiday-makers may seem to be minimised in a study of holiday trades”.

Quanto aos reformados, “it seems justifiable to regard them as permanent holiday makers”, sobretudo nas estâncias termais “wich are primarily given over to retired persons”.

Facto novo é “the new classes of holiday makers”, cerca de 18.5 milhões de pessoas com direito a “Holidays with pay” – “prolonged stay away from home of the working man is essentially the product of this century, and more particularly an aftermath of last war [I Guerra Mundial]”.

→ E o Futuro?
O leitor continua com pressa em conhecer o Futuro? Deixamo-lo com uma citação de Vitorino Magalhães Godinho:

“A realidade e sempre, assim, um complexo mais ou menos coerente – ou, antes, incoerente – de estruturas configurando-se num espaço geográfico, processando-se nos termos histórico-sociais.” (3).

Sérgio Palma Brito



Referências
(1) Leon Battista Alberti, De re aedificatoria, The Ten Books of Architecture, The 1755 Leoni Edition, Dover Publications, 1986, Livro V, Capítulo XIV 

(2) Elizabeth Brunner, Holiday Making and the Holiday Trades, Nuffield College, Oxford University Press, London, 1945 
(3) Vitorino Magalhães Godinho, Complexo Histórico e Geográfico, Dicionário de História de Portugal, dirigido por Joel Serrão, Volume I, p. 644

O Algarve às Sextas (2011.12.23)
Conhecer o Passado Para Poder Observar o Futuro

A economia e sociedade do Algarve atravessam uma crise profunda, violenta e duradoura. A maioria dos algarvios nunca conheceu um presente tão duro e um futuro tão incerto. Temos de conhecer de onde vimos, para sabermos para onde queremos ir e como podemos influenciar o percurso a fazer e o destino a escolher.
À Sexta Feira, pode acompanhar-nos neste percurso.

→ Agricultura
Em 1951, 67% da superfície do Algarve é ocupada por uma Agricultura de Sequeiro, que se estende “indiscriminadamente até sobre terrenos naturalmente pobres (quanto a humidade, quanto a substâncias nutritivas, quanto a elementos orgânicos) e inaptos pela sua estrutura física, topografia e clima”.
Conhecemos a realidade desta Agricultura, em 1952:
  • das 38.014 Explorações Agrícolas do Algarve,  só 21 não são familiares ou individuais,
  • apenas 29% ocupam um todo contínuo e 63% têm entre 2 e 10 parcelas dispersas,
  • 8.540 são trabalhadas a mão de homem e, em 29.424, o homem só tem apoio animal – a mecanização não existe e o arado de madeira ainda é utilizado
  • 95% das explorações têm culturas arvenses, mas 70% tem menos de 5 hectares, das quais 18% menos de um hectare – áreas incompatíveis com a rentabilidade da cultura arvense.
A situação é particularmente grave na Serra (2/3 da superfície do Algarve) pela geologia, orografia, regime de chuvas e degradação do solo.

→ Industria
  Em 1957,
  • a Indústria do Algarve representa 1.801 estabelecimentos e ocupa 19.645 operários,
  • destes, 10.362 trabalham no “Enlatamento e conservação de peixe e de outros produtos do mar” e 85% são mulheres,
  • 98% dos operários a trabalhar nas Conservas de Peixe são remunerados “ao dia e à semana”  e sujeitos “à irregularidade das boas ou más pescas.”
  • há 2.470 operários na Industria da Cortiça, mas as mulheres são apenas 27% do total.
A par destas unidades industriais, há uma miríade de indústrias artesanais, para consumo local.

→ População
Em 1960,
  • 60% da População com sete e mais anos “não sabe ler” ou sabe, mas “sem possuir nem frequentar um grau de ensino”,
  • 74.665 residentes têm “curso ou ensino” primário, então de quatro anos
  • em todo o Algarve, há 757 residentes com “ensino ou curso superior” e 5.099 secundário,
  • dos 126 mil activos, 5 mil têm entre 10 e 14 anos, 12 mil entre 15 e 19 anos e 11 mil mais de 65 anos.
Se o Algarve, com este capital humano, tivesse sido objecto do que, anos mais tarde, se designa por política de “desenvolvimento dos recursos endógenos”, que nível de desenvolvimento económico e social teria atingido?

→ A Destruição da Economia e Sociedade do Algarve Tradicional
Em 1950, depois de duas décadas de dificuldades à emigração, a população do Algarve atinge o seu máximo: 328 mil habitantes.
A partir da década de 1950, tem início a versão Algarve de processos que se alargam a quase todo o País:
  • abandono da actividade agrícola na Serra e terrenos marginais, que não podem alimentar quem deles tem que viver,
  • o alargar do êxodo rural e agrícola à destruição das frágeis estruturas da industria, sobretudo a artesanal,
  • a possibilidade de trabalho na área urbana de Lisboa abre a imigração interna – na década de 1950 com um saldo fisiológico de 21 mil humanos, o Algarve perde 14 mil habitantes.
Este processo acentua-se, a partir de 1960, apesar do início do Turismo e Construção Civil
  • na década de 1960, com saldo fisiológico positivo de 11 mil humanos, a população diminui de 46 mil habitantes – é o tempo da emigração para França,
  • entre 1970 e Março de 1972, “7581 pessoas mostraram interesse em emigrar”.
É com base nestes números que, em 1988, Nuno Nazareth afirma
  • “Se esta região estivesse unicamente dependente da sua dinâmica natural, tenderia a perder progressivamente população, como consequência do acentuado declínio da sua fecundidade. Até ao ano 2000 perderia cerca de 90.000 habitantes”.

→ A Dupla Mutação: no Turismo e na Economia Regional
A partir de 1962/1963, quando começa o boom do turismo,
  • o processo de destruição da economia tradicional do Algarve já tem a sua dinâmica própria,
  • o novo Turismo do Algarve é um mutante na pacata realidade do Turismo Português,
  • tem lugar uma mutação na Economia do Baixo Algarve, que vai ser marcada pela sua Especialização.
Destruição da economia tradicional e mutação no turismo são processos independentes, porque cada um existe sem o outro, mas interligados, porque conhecem sinergias e conflitos.
A mutação da Economia do Baixo Algarve, com a sua especialização, resulta dos dois processos anteriores.
No conjunto, estes processos criam uma dinâmica nova: a imigração compensa saldos fisiológicos negativos e a população aumenta.

→ E o Futuro?
O leitor tem pressa em conhecer o Futuro? Se assim é, ou se acalma ou não nos acompanha. Antes de fazer sínteses, há que analisar. Deixamo-lo com uma citação de Joel Serrão:
“A verdade, a triste verdade, é que não possuímos ainda uma história social do século passado [o XIX], ou sequer monografias especiais sobre as classes e os grupos deste período. Ora, como é evidente, a síntese não é possível onde a análise mal principiou.” (Joel Serrão, Temas Oitocentista, Volume II, p.233).

Sérgio Palma Brito





Referências
  • Comissão de Planeamento da Região Sul (1972) Trabalhos Preparatórios do IV Plano de Fomento: Relatório de Propostas para a Sub-Região do Algarve.
  • Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização (1963) Plano Regional do Algarve: Inquérito.
  • Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização (1964) Planeamento Urbanístico da Região do Algarve – “Esboceto” e Orientação Geral, Relatório do Gabinete Técnico do Plano Regional do Algarve.
  • Direcção-Geral dos Serviços de Urbanização - Luigi Dodi (1966) Anteplano Regional do Algarve, Milão, tradução portuguesa, Lisboa.
  • Instituto Nacional de Estatística (1952) Inquérito às Explorações Agrícolas do Continente, vol. I, Lisboa.
  • Instituto Nacional de Estatística (1955) Arrolamento Geral de Gado e Animais de Capoeira, Lisboa.
  • Instituto Nacional de Estatística (1957) Inquérito Industrial – Distrito de Faro.
  • Instituto Nacional de Estatística (1960) X Recenseamento Geral da População, Tomo III, vol. 2º, Lisboa
  • Instituto Nacional de Estatística (1960) X Recenseamento Geral da População – Condições perante o trabalho e meio de vida, Tomo V, vol. 2º, Lisboa.
  • Instituto Nacional de Estatística (1960) Estatística Industrial, Lisboa.
  • Nazareth, J. Manuel (1988) Unidade e Diversidade da Demografia Portuguesa no Final do Século XX, Portugal: os próximos 20 anos, Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa.

Duas Definições da Economia do Turismo e Balança de Pagamentos


Informação em 16 de Agosto de 2012:
-este post vai ser actualizado com os números de 2011 e será incluída nota sobre a importância de receitas da TAP na Balança de Pagamentos.


→Sobre as Duas Definições de Turismo

Vimos em post anterior (Peso do Turismo no PIB) a diferença entre duas definições da Economia do Turismo:
  • a redutora, da Política e Serviços de Turismo, ambos capturados pelo Modelo de Negócio da Estadia Temporária em Hospedagem Onerosa, em «estabelecimento hoteleiro»
  • a que o INE e o Banco de Portugal utilizam para efeito das Estatísticas di Turismo, assente no País de Residência do Visitante e integrando o Alojamento Turístico Privado
Descrevemos a Contradição da Politica e Serviços de Turismo, quando
  • definem a Oferta de Turismo segundo uma definição restrita e inadequada à realidade da Economia do País,
  • precisam de utilizar o argumento de “o peso do Turismo no PIB” para justificar as suas posições, recorrem a números da definição utilizada pelo INE e Banco de Portugal … sobre a realidade que recusam reconhecer.

A Metodologia da Balança de Pagamentos e os Números

O Banco de Portugal elabora a Balança de Pagamentos segundo as regras fixadas pelo FMI (1).
O Quadro seguinte mostra a evolução, entre 2001 e 2010, de
  • Débito e Crédito de Viagens e Turismo, na Balança de Pagamentos,
  • Proveitos Totais do Alojamento Turístico Classificado.
Ao fazermos esta comparação, há uma diferença entre a posição da Politica e Serviços de Turismo e a nossa
  • afirmar “o peso do Turismo”, criando a possibilidade das “pessoas” ligarem este peso ao Alojamento Turístico Classificado – é a posição da Politica e Serviços de Turismo,
  • informar as “pessoas” sobre a diferença estrutural entre as duas definições e as consequências a tirar – é a nossa.
Importa reter um facto:
  • o valor do Débito de Viagens e Turismo resulta das viagens de Residentes em Portugal ao estrangeiro e é significativamente superior ao Proveito Total do Alojamento Turístico Classificado.
Balança de Pagamentos e Proveitos do Alojamento Turístico Classificado
Fonte: Elaboração Própria com base em INE – Estatísticas do Turismo; Banco de Portugal – Balança de Pagamentos (2)

→Alojamento Turístico Classificado e Balança de Pagamentos
Queremos ter uma ideia sobre a resposta à pergunta:
  • qual a parte do Crédito de Viagens e Turismo, na Balança de Pagamentos, que resulta das despesas dos Hóspedes alojados em estabelecimentos de Alojamento Turístico Classificado, e feitas no estabelecimento ou fora dele?
Para poder responder,
  • partimos dos 1,8 mil milhões de euros de Proveitos Totais dos estabelecimentos do Alojamento Turístico Classificado (3),
  • deduzimos a parte os Proveitos gerada pela procura por Residentes em Portugal, em Alojamento, Alimentação e Bebidas, Aluguer de salas e outros,
  • ficamos com uma ideia da parte do Crédito de Viagens e Turismo, na Balança de Pagamentos, que resulta das despesas dos Hóspedes alojados em estabelecimentos de Alojamento Turístico Classificado, e feitas no estabelecimento,
  • adicionamos a nossa ideia da parte do Crédito de Viagens e Turismo na Balança de Pagamentos, que resulta de todas as despesas de Hóspedes Não Residentes, alojados em estabelecimento do Alojamento Turístico Classificado, mas feitas fora do estabelecimento.
A resposta à pergunta é de 2,8 mil milhões de euros

→Alojamento Turístico Não Classificado e Balança de Pagamentos
Agora, queremos ter uma ideia sobre a resposta à pergunta:
  • qual a parte do Crédito de Viagens e Turismo, na Balança de Pagamentos, que resulta das despesas dos Hóspedes alojados em estabelecimentos de Alojamento Turístico Não Classificado, e feitas no estabelecimento ou fora dele?
Para responder,
  • partimos dos 7.6 mil milhões de euros de Crédito de Viagens e Turismo na Balança de Pagamentos de 2010,
  • subtraímos os 2,8 mil milhões de euros do item anterior,
  • a diferença de 4.8 mil milhões de euros é a resposta à pergunta.
Utilizamos a palavra “ideia” como poderíamos utilizar “opinião”. Não é uma estimativa de base científica, mas o resultado de números disponíveis e da nossa opinião. Não tem base científica? Não! Muito gostaríamos de dispor de estimativa com base científica – aguardamos esse contributo.

→Politica de Turismo e o Tirar as Consequências
Em 2011/2012, a Politica de Turismo não pode
  • manter a tradicional visão redutora de Turismo, inadequada à realidade da Economia de Turismo do País,
  • continuar a ignorar toda a actividade social e económica que gera mais de 4 (quatro) mil milhões de euros na Balança de Pagamentos.
De maneira aberta e positiva, a Politica de Turismo tem de abrir o Debate sobre Orientações Estratégicas que incluam a criação de valor
  • pela Procura da Diáspora portuguesa, em toda a sua diversidade,
  • pelo investimento directo de famílias no Alojamento Turístico Privado, ultrapassando a barreira psicológica (e de interesses legítimos) que denigre a «Imobiliária» e as «Camas Paralelas»,
  • pelo integrar na Politica de Turismo a imigração dos Reformados do Tempo Livre – voltaremos ao assunto.
Esta é a mais simples das Reformas Estruturais de que o País precisa.

Algarve, 13 de Dezembro de 2012
Sérgio Palma Brito



(1)IMF – Balance of Payements and International Investment Position Manual, 2009 (Ver Travel, em BPM6, pontos 10.86 a 10. 100); o INE publica os “dados relativos à Balança Turística Portuguesa, disponibilizados pelo Banco de Portugal”, ver próximo post.
(2)Os “estabelecimentos hoteleiros” da legenda do Quadro são, de facto, o Alojamento Turístico Classificado, sem os Parques de Campismo
(3)INE – Estatísticas de Turismo, 2010

“Orientar Disciplinar e Apoiar a Actividade Turística”?


→ Intervenção do Estado no Turismo
O Congresso da APAVT defende que o Estado deverá tendencialmente “deixar de intervir na actividade económica do Turismo” (DN, 4 Dez.).
Em 1940, António Ferro explicita o dilema do Estado e o Turismo:

  • “O turismo, é portanto, além dum indiscutível factor de riqueza e de civilização, um meio seguríssimo não só de alta propaganda nacional como de simples propaganda política”.
Desde sempre, a Politica Turismo tem de compatibilizar duas prioridades:
  • a da “riqueza e civilização” – hoje, respectivamente, Competitividade da Economia do Turismo e Cosmopolitismo Cultural,
  • a da “alta propaganda nacional” (hoje, “imagem de marca do País”) ou “simples propaganda politica” (hoje, propaganda política, no país).

A escolha e dupla: prioridade e modalidade da intervenção do Estado.

→ Genealogia da Definição Legal da Intervenção do Estado no Turismo
Há longa e coerente genealogia da Definição Legal da Intervenção do Estado no Turismo, continuada pelos mais diversos políticos:

  • em 1944, António Ferro: ao SNI compete “Orientar e fiscalizar, no aspecto higiénico, técnico e do gosto, a exploração da industria hoteleira”,
  • em 1956, uma Lei de Salazar: “compete ao Estado […] promover a expansão do turismo nacional” e “Para tanto, compete-lhe orientar, disciplinar coordenar […] as actividades directamente ligadas ao turismo, fomentando e auxiliando a iniciativa privada”,
  • em 1986 e 1988, Licínio Cunha: são, “atribuições” da Direcção Geral de Turismo”, “orientar, disciplinar e fiscalizar e apoiar a industria hoteleira”,
  • em 1996, Augusto Mateus (Lei Orgânica do Ministério) altera e moderniza as competências da DGT, mas não tem tempo de as implementar,
  • em 1998 Vítor Neto (Lei Orgânica DGT), recupera ser a DGT a “orientar disciplinar e apoiar a actividade turística” – é a versão de Salazar e de Licínio Cunha, sem o “fiscalizar” por ser competência da actual ASAE,
  • em 2003, Carlos Tavares (Lei Orgânica do Ministério), mantém a orientação de Augusto Mateus , mas não tem tempo de implementar a nova política,
  • em 2004, Luís Correia da Silva (Lei Orgânica da DGT) recupera a definição de 1996 e de 2003, mas ainda menos tempo tem para alterar a cultura dominante,
  • desde 2007, a cultura do Turismo de Portugal não rompe com a tradição e mantém o Primado da Intervenção Pública, sob novas e diversas formas.


→ Prioridade Total à Economia do Turismo
Propomos prioridades claras para a Politica de Turismo:

  • fomento da Economia do Turismo (e não vago Turismo), por contribuir para as Receitas da Balança de Pagamentos, criar Postos de Trabalho, e fazer crescer o Rendimento per capita dos residentes em Portugal,
  • valorizar a Economia do Turismo, como um dos canais de comunicação da Imagem de Marca de Portugal, como País,
  • passar da “propaganda nacional” e “propaganda politica” da Promoção Turística tradicional para o Marketing da Oferta de Turismo e Valorização das Marcas de Portugal como País e como Destino Turístico, esta como umbrella de Marcas Regionais lá onde o Mercado o exija,
  • minimizar o tempo e os recursos que, fatalmente, têm de ser consagrados à “propaganda”, seja ela nacional ou política.


→ As Novas Responsabilidades
As Prioridades implicam nova definição de responsabilidades:

  • primado da responsabilidade da Iniciativa Privada por desenvolver as actividades económicas, sociais e culturais, que têm sucesso junto da procura e permitem criar valor para a comunidade e para as empresas,
  • Politica de Turismo responsável por disponibilizar, de maneira formal e transparente, infra-estruturas e serviços públicos, regulação da oferta, seu Marketing e Valorização das Marcas País e Destino, e politicas transversais indispensáveis à competitividade da Oferta de Turismo,
  • na Concertação Estratégica entre as duas para, em conjunto, respeitar as três dimensões da sustentabilidade: a económica, a social e a ambiental.
O Primado da Iniciativa Privada como dinamizadora da Economia do Turismo inverte a relação entre Politica de Turismo e Iniciativa Privada:
  • o Estado a orientar/disciplinar “o Turismo”, numa relação com a Iniciativa Privada, com paternalismo do primeiro e dependência da segunda.


→ Questões Para Resposta Futura
Salvo o devido respeito, que é muito, pelo Congresso da APAVT, o Estado

  • NÃO DEVE “deixar de intervir na actividade económica do Turismo”
  • TEM DE INTERVIR de maneira diferente, porque a Iniciativa Privada ASSUME A RESPONSABILIDADE de desenvolver a Economia do Turismo.

Duas questões para resposta futura: a Iniciativa Privada quer e é capaz de assumir esta responsabilidade ou acomoda-se a um “Estado amigo”?

Algarve 7 de Dezembro de 2011
Sérgio Palma Brito

“O peso do Turismo no PIB” – a Feira, os Factos e a Contradição


→ A Feira: quem dá mais pelo “peso do Turismo no PIB”?

Em 1995, o Congresso da APAVT realiza-se em Ponta Delgada. António Guterres e uma overdose de Ministros visitam os Açores. Participam numa sessão do Congresso onde todos oradores, de Atilio Forte (Presidente da APAVT) a Gutteres, passando por Daniel Bessa, referem “o peso do Turismo no PIB”: a percentagem varia entre 6% e 11%.

Os Arquivos contarão os esforços do Governo para o INE confirmar o mítico número de “10% ou mais” de “o peso do Turismo no PIB”.

Esta seria a barreira a partir da qual haveria um Mundo Novo:

  • a importância de “o Turismo” na Economia seria reconhecida pelas forças politicas e sociais, e os diversos departamentos do Estado deixariam de pôr obstáculos às reivindicações “do Sector do Turismo”.

O INE nunca confirmou os “10% ou mais”. Apesar disso, a Confederação do Turismo é reconhecida como Parceiro Social pelo Governo de Durão Barroso, muito graças ao seu Presidente Atilio Forte e da fantasia de Portugal vir a receber 40 milhões de turistas.

A feira do “quem dá mais peso ao Turismo no PIB?” continuou.

Em 2007, o Plano Estratégico Nacional de Turismo (PENT) é peremptório:

  • “O Turismo é um dos principais sectores da economia portuguesa, tendo o seu peso na economia vindo a crescer nos últimos anos.
  • As receitas de Turismo representam 6,3 mil milhões de euros, correspondendo a 11% do PIB e apresentam uma tendência crescente (1).”

Em 2011, um indicador da Revisão do PENT é “Receitas de estrangeiros e evolução da balança comercial do Turismo” (erro de palmatória) e apresenta o “Peso da receita de estrangeiros nas Exportações”. Arrepiante.

Há dias, segundo o Diário Económico, «as receitas do sector do turismo»

  • “deverão bater o recorde dos oito mil milhões de euros este ano, representando cerca de 11% do produto interno bruto português”.


→ Os Factos: PENT e INE
  
O texto do PENT levanta, pelo menos, três problemas:

  • “Receitas do Turismo” é um plebeísmo que designa a Receita de Viagens e Turismo, na Balança Corrente da Balança de Pagamentos, elaborada pelo Banco de Portugal, de acordo com normas do FMI,
  • a percentagem está grosseiramente errada: em 2005, 6.2 mil milhões de euros representam 4% do PIB e não 11% - em 2011, os eventuais 8 mil milhões representarão não mais de 4.5%,
  • “Receitas do Turismo” são objectivo estratégico do PENT, apesar de plebeísmo da expressão e erro grosseiro no cálculo da percentagem do PIB.

O INE fornece dois indicadores da Conta Satélite do Turismo:

  • o Valor Acrescentado gerado pelo Turismo, que anda nos 5% do Valor Acrescentado Bruto da Economia,
  • o Consumo Turístico Interior (não residentes e residentes em Portugal), que anda pelos 10% do PIB - se a questão é o “10% ou mais”, utilize-se o indicador do Consumo, apesar de não ter o mediatismo de “Receita”.


→ A Contradição da Politica e Serviços de Turismo

A diferença entre a fantasia do PENT e a realidade do Banco de Portugal e INE ilustra a contradição entre duas definições da Economia do Turismo (2).

Portugal é um dos países em que a Politica de Turismo,

  • defende uma definição redutora da whole tourism industry: “Short-term accommodation services are considered so important for tourism that many countries consider the establishments providing food and beverage services and travel agency services as constituting their whole tourism industry.” (3),
  • insiste nesta definição, apesar de ser evidente a sua inadequação às exigências da Competitividade da Economia do Turismo.

O INE e o Banco de Portugal utilizam uma definição mais vasta da “the economic contribution of tourism industry”. Citamos dois exemplos

  • o Visitante (turista ou excursionista) é definido em função do País de Residência Habitual e não Nacionalidade – o “não residente” pode ser estrangeiro ou emigrante português, o que integra a procura da Diáspora,
  • incluem, no Alojamento Turístico Privado, o arrendamento e utilização própria de Casas de Férias e Segundas Residências – só no Algarve há 145.000 destas casas, contra 100.000 camas do Alojamento Turístico da visão redutora da Politica de Turismo.

A Contradição da Politica e Serviços de Turismo consiste em

  • definirem a Oferta de Turismo segundo uma definição restrita e inadequada à realidade da Economia do País
  • quando precisam de utilizar o argumento de “o peso do Turismo no PIB” para justificar as suas posições, recorrem a números da definição do INE e Banco de Portugal … sobre a realidade que recusam reconhecer.


Algarve 5 de Dezembro de 2011
Sérgio Palma Brito


(1) Em 2005, a Receita é de 6 198 597 euros, 10.9% da Balança Corrente e não do PIB
(2) Traduzimos “the economic contribution of tourism industry” por Economia do Turismo.
(3) United Nations, Statistic Division, United Nations World Tourism Organization, International Recommendations for Tourism Statistics, Madrid and New York, 2008, p. 57

I’ll be back!

Várias razões, quase todas excelentes, impediram-me de alimentar o Blogue.
I’ll be back!
Os dois primeiros posts são inspirados pelo recente Congresso da APAVT. O terceiro resulta de uma afirmação de Carlos Moedas. Anunciamos, assim:
  • “O peso do Turismo no PIB” – a Feira, os Factos e a Contradição
  • “Orientar Disciplinar e Apoiar a Actividade Turística”
  • SOCORRO! O “filtro” Ataca de Novo!
A estes posts, outros seguirão!

A Bem da Nação
Algarve 5 de Dezembro de 2011